Brasil: as plantações de eucaliptos e os seus efeitos ambientais: recursos hídricos

Idioma Portugués
País Brasil

O presente roteiro destina-se a subsidiar a discussão sobre os problemas ambientais provocados pela monocultura de eucalipto, abordando, principalmente, os aspectos relacionados aos recursos hídricos.

Constitui-se numa avaliação preliminar focalizada nos cultivos homogêneos de uma espécie exótica - o eucalipto - na região do Pampa gaúcho, efetuados em grande escala por empresas transnacionais, com o objetivo de produzir celulose para suprir a demanda internacional. Não se pretende, com essa avaliação, negar as vantagens do eucalipto para o atendimento das demandas internas de madeira para os mais diferentes fins, onde se incluem o carvão vegetal, a celulose e outros. Ressalta-se, ainda, que esse cultivo poderia contribuir para reduzir a supressão das florestas naturais.

A despeito desta avaliação não abordar impactos socioeconômicos, não significa ignorar sua existência ou subestimar sua importância.

É importante lembrar que a escolha do Brasil para esse tipo de cultivo faz parte de uma estratégia das grandes corporações do setor, em função de seu potencial em termos de “disponibilidade” de áreas e mão de obra de baixo custo, clima e solo favorável para o crescimento rápido dessa espécie (comprovado pelos maiores índices de produtividade do mundo), além da fragilidade institucional, que reduz a aplicabilidade das exigências ambientais em toda a sua cadeia produtiva.

Essas características explicam a atual proporção desse cultivo: dos 5,7 milhões de hectares de florestas plantadas, 60% constituem-se de eucaliptos, cuja expansão vem ocorrendo em diversos estados do país, destacando-se o Rio Grande do Sul[1].

Esse roteiro é apresentado em 6 partes, abordando: argumentos favoráveis utilizados para justificar o cultivo; alguns conceitos considerados importantes para fundamentar a análise; características ambientais básicas da região produtora; relações desse cultivo com a água e o solo e, finalmente, a apresentação de algumas diretrizes para enfrentamento dos problemas ambientais relacionados a esse cultivo.

2. PRINCIPAIS ARGUMENTOS FAVORÁVEIS AO CULTIVO

As empresas interessadas[2], de um modo geral, ressaltam os seguintes argumentos em relação ao eucalipto:

a) atende às necessidades de consumo de madeira e contribui para preservar as florestas;

b) seu consumo de água é semelhante ao das florestas nativas, além de suas raízes não alcançarem a superfície dos lençóis freáticos;

c) pode ser cultivado em terrenos de baixa fertilidade natural, não exigindo grande quantidade de nutrientes e defensivos agrícolas, comparado a outras culturas e, também, não requer grandes movimentos da superfície do solo;

d) seguindo manejo adequado, suas culturas propiciam proteção contra erosão e não afetam a biodiversidade, refutando a acusação de que elas criam “desertos verdes”;

e) suas plantações têm um papel fundamental na mitigação das mudanças climáticas globais;

f) sua contribuição para o desenvolvimento sustentável do Brasil é crescente, ajudando a proteger o meio ambiente.

Em relação ao manejo adequado do plantio e proteção da biodiversidade (item d), a empresa Aracruz divulga em seu site, que:

a) mantém uma política de conservação de florestas nativas, entremeadas com plantio de eucaliptos: preservando 180 mil hectares de florestas nativas e cultivando quase 300 mil hectares;

b) aplica um modelo de preparo de solo que reduz os impactos da erosão, não afetando sua fertilidade;

c) medidas de perdas de solo em eucaliptos mostraram valores abaixo dos limites de tolerância estimados para o solo da região (entre 10 t/ha/ano e 13 t/ha/ano;

d) utiliza defensivos agrícolas de forma rigorosamente controlada de acordo com as normas e exigências técnicas, usando aqueles de baixa toxidade e aplicando-os de forma preventiva.

Há pesquisadores que vêm defendendo ser possível conviver com o eucalipto, desde que o seu cultivo seja realizado mediante determinadas condições de manejo.

3. AS PESQUISAS E ESTUDOS SOBRE OS IMPACTOS DOS EUCALIPTOS

Analisando-se os estudos e as informações publicadas e divulgadas em relação a sustentabilidade do cultivo de eucaliptos, constata-se várias limitações conceituais e metodológicas - relacionadas a seguir - que precisam ser submetidas a uma avaliação crítica mais profunda afim de que possam ser superadas.

3.1. É surpreendente como os documentos divulgados pelas empresas que atuam no setor de reflorestamento de eucalipto utilizam estudos baseados num único critério ou num único parâmetro para explicar e justificar a sustentabilidade de seu cultivo.

Ao mesmo tempo em que pesquisas e estudos acadêmicos – embora não formulados enquanto diretriz de trabalho , utilizam na prática, o método de “dividir para conhecer” a realidade, como se o conhecimento do meio ambiente fosse uma simples soma de suas partes[3]. Com esta fragmentação do conhecimento, elimina-se totalmente o elo de ligação entre as partes e as interações de suas funções sistêmicas. Esse conceito equivocado de estudar o meio ambiente foi apropriado pelo pensamento neoliberal, servindo para justificar os empreendimentos impactantes e permitir a expansão de atividades mediante a transferência para o conjunto da sociedade das suas conseqüências e de seus custos. Este equívoco, adotado sem nenhum compromisso com os interesses públicos, também está permitindo - a partir de sua crítica - que muitos estudiosos concluírem que é justamente nas relações de interdependência entre as partes da natureza que está a principal fonte do conhecimento

Muito pior que esse equívoco são os trabalhos que se apóiam em dados isolados para avaliar a sustentabilidade ambiental no seu conjunto, subordinando o todo a uma parte, como se ela não fosse multifacetada e não fosse composta de vários elementos sem hierarquia e relações entre si.

3.2. Nem todos se deram conta que os problemas ambientais assumiram uma tal extensão e gravidade que não se pode mais ignorar a sua dimensão global. Estamos diante de uma crise ambiental sem precedentes na história da humanidade que não pode ser ignorada, exigindo que seja incorporada nos estudos e pesquisas ambientais afim de que possamos efetivamente avançar na sustentabilidade do Planeta.

3.3. Os impactos gerados pelas atividades agrícolas intensivas em grandes propriedades têm repercussões e efeitos que normalmente, vão muito além dos limites das propriedades dos empreendedores, podendo afetar outros ecossistemas e comunidades vizinhas ou localizadas a grandes distâncias. No caso do eucaliptos, a expansão do cultivo com expectativa para alcançar grandes dimensões faz com que os seus impactos sejam mais graves e precisam ser analisados na mesma proporção.

3.4. Não basta avaliar unicamente os impactos que serão gerados pelas novas atividades propostas. É preciso considerar os efeitos acumulados ou o passivo ambiental , ou seja, o grau de degradação e deterioração ambiental já existente e conseqüentemente, a capacidade do meio ambiente suportar novos efeitos negativos. É esse um dos motivos que o chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo - MDL, baseado num mercado de carbono -que pretende compensar atuais e futuras e não as quantidades já acumuladas não constitui medida capaz de efetivamente mitigar as emissões totais do Planeta.

O que se constata - considerando as atividades relacionadas á monocultura de eucaliptos e as críticas apontadas - que muitos pesquisadores acabam cumprindo muito mais um papel de advogados defensores da expansão dessa atividade e fornecedores de subsídios para a formação de opinião pública, do que cientistas cujos atividades impõe uma análise crítica permanente e sob os mais diversos aspectos, como exige a ciência.

4. O EQUILÍBRIO DO MEIO AMBIENTE E AS ÁGUAS

4.1. Não é possível avaliar os impactos relacionados aos recursos hídricos decorrentes da implantação de culturas de eucalipto, na escala de produção e na expansão pretendida, sem tomar como ponto de partida a relação existente entre as águas e os seus espaços físicos, responsáveis pela sua produção e conservação. Em condições naturais a água, como sabemos, está presente na vegetação natural onde ela também sofre interceptação das chuvas, permitindo a sua evaporação sob radiação solar, criando um conjunto de retenções e um processo de liberação sob a forma de vapor -dentro e fora de seu corpo. Esse mecanismo é fundamental para a realização das transpirações das plantas, e formar a umidade presente nas formações florestais naturais. A água é encontrada ainda na superfície do terreno, desde a camada de solos orgânicos superficiais incluindo a serrapilheira (restos de folhas e galhos em decomposição), assim como no solo por infiltração e nas camadas de aqüíferos em maior profundidade. Nesse complexo sistema de transferência de umidade, as formações florestais naturais cumprem um importante papel na produção da água e no desenvolvimento dos chamados serviços ambientais que incluem entre outros, a manutenção do equilíbrio das temperaturas ambientais, a redução dos picos extremos entre cheias e estiagens e o fornecimento da água para a própria sobrevivência de todos os organismos. Todos esse processos fazem parte de um processo muito maior – o ciclo hidrológico – mantido pela energia solar e pela força da gravidade, caracterizado pela articulação de vários componentes entre os quais a precipitação, infiltração, acúmulo subterrâneo da água, escoamento superficial e evaporação – assegurando que a água seja um recurso renovável. Uma característica fundamental desse complexo sistema é o sua existência e funcionamento equilibrado e auto –regulado, fruto de ajustamentos entre variáveis internas e externas.

No entanto esse equilíbrio vem sendo rompido sistematicamente, principalmente nas últimas décadas, por atividades humanas, que estão afetando todas as partes e funções do meio ambiente e que se refletem tanto na qualidade como na quantidade das águas. Particularmente nas águas, os efeitos dessas alterações ambientais atuam em todos os componentes do ciclo hidrológico, promovendo mudanças na vegetação natural, nos mecanismos de evapo-transpiração, na distribuição e intensidade das chuvas, na qualidade das águas, e no agravamento de seus extremos, tanto de escassez como abundância das águas.

4.2.Cientistas vem ultimamente alertando sobre os efeitos da presença de plantas invasoras ou exóticas próximo ou dentro de áreas com florestas nativas, especialmente quando em quantidades mais significativas. Elas estariam promovendo alterações na estrutura biológica básica das formações naturais, tornando-as menos hospitaleiras á milhares de plantas e espécies de animais que dela vivem. A maior velocidade de crescimento que as plantas invasoras podem ter em relação às nativas (beneficiadas também pela redução da fertilidade do solo que promovem), faz com que sejam vitoriosas na concorrência que se estabelece entre as duas, produzindo em conseqüência, com o tempo, uma proliferação das espécies exóticas e conseqüentemente uma destruição das formações naturais[4][5].

4.3. Vale lembrar que as espécies invasoras ou exóticas (como é o caso dos eucaliptos) são aquelas que se deslocaram ou foram deslocadas de sua área de origem para outra, onde elas não existiam. As nativas evidentemente, são as que permanecem na área de origem. Sabemos que todas as espécies são submetidas à transformações parciais ou completas e de caráter irreversível . Essas evoluções se, manifestam na composição gênica de cada espécie, induzida pelo relacionamento complexo e que mantém com o ambiente. Acontece que no passado essas migrações eram muito lentas de modo que a as espécies tinham tempo para serem integradas, mediante a assimilação das melhores e eliminação das nocivas[6]. Atualmente com as migrações muito mais rápidas em número maior estabelece-se enormes conflitos e com enormes prejuízos para a biodiversidade.

5. A REGIÃO DE PLANTIO DE EUCALIPTOS E A DEGRADAÇÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS

5.1. O Pampa constitui um bioma, formado por suaves colinas e morros com predomínio de campos composto por variadas espécies de gramíneas (cerca de 450 mil tipos) e formações arbustivas, associadas com porções dispersas de matas. A sua rica biodiversidade pode ser avaliada pelas numerosas espécies vegetais, animais e de microorganismos que mantém uma interação com os diferentes tipos de solo, variações microclimáticas e fauna. Calcula-se que existam entre 3 mil a 4 mil tipos de plantas, 100 de mamíferos e mais de 400 de aves. Admite-se que se trata de um bioma dos mais ricos do Planeta[7] . A principal atividade econômica da região sempre foi (desde o século XVII) a pecuária baseada nas pastagens nativas que nas últimas décadas vem sofrendo alterações profundas com a implantação de lavouras intensivas de arroz e soja, gramíneas exóticas e mais recentemente de florestas cultivadas, principalmente de eucaliptos. Esses cultivos já ocupam cerca de 25% dos campos nativos, e avançam sobre as porções naturais, ainda que cerca de 41% do Bioma ainda estejam relativamente preservados[8]. No entanto, o avanço das florestas plantadas constitui a maior preocupação de defensores do Bioma, devido as suas profundas alterações que promovem na vegetação nativa e seus efeitos ambientais, uma vez que impede que a sua fauna e flora possa se desenvolver, ameaçando a extinção.

A criação de gado de fora extensiva, vocação natural do bioma - realizada sem a supressão da vegetação natural - é considerada uma atividade que mais se aproxima dos critérios de sustentabilidade e por isso recomendada para permitir a preservação do Bioma.

A monocultura de eucalipto em grande escala na região Oeste do Estado do Rio Grande do Sul, já vem contribuindo para o agravamento da degradação ambiental da região e que tem na desertificação (ou areização, como localmente é denominada) o seu estágio mais avançado, provocando uma enorme perda de biodiversidade. A origem desse processo está nas atividades humanas, principalmente no uso de uma mecanização pesada, utilizada nas atividades agrícolas de monoculturas intensivas (soja, milho) que acabam provocando a compactação dos solos, combinada com o emprego intenso de agentes químicos. Os efeitos dessas agressões ao meio ambiente também se manifestam na diminuição da infiltração de água no solo e na perda de sua umidade natural, provocando a destruição da cobertura vegetal. Todas essas atividades atuam sobre os depósitos arenosos (areias), originadas da Formação Botucatu (integrante do Aqüífero Guarani), com características extremamente frágeis e portanto, sujeitas a processos erosivos de origem hídrica e eólica, com enormes prejuízos, não somente ambientais, como econômicos e sociais. O processo de desertificação no Estado do Rio Grande do Sul já atinge cerca de 6 milhões de hectares e no ano de 2005, num período de intensa seca foi necessário decretar estado de emergência em vários municípios.

5.2. Um outro indicador ambiental extremamente importante porém, pouco considerado, na avaliação ambiental das formações naturais e dos cultivos é o déficit hídrico que ocorre quando as precipitações pluviométricas possuem umidade no solo inferiores à evapotranspiração das plantas. Em síntese, ela é indicativa da falta de água nos solos e no meio ambiente cuja intensidade e efeitos vem se agravando na região nos últimos anos. O mais grave: essa deficiência tende a aumentar com as mudanças climáticas globais. Os seus efeitos – além dos ambientais - já estão causando enormes prejuízos não só ambientais, como econômicos e sociais, especialmente nas atividades agrícolas.

A presença de solos predominantemente arenosos nessa região – caracterizados pela menor capacidade de retenção de água - contribuem para o agravamento desse déficit, limitando o armazenamento de água, necessário para o suprimento de cultivos durante as estiagens.

5.3. As alterações climáticas globais previstas para a região Oeste do Estado do Rio Grande do Sul, de acordo com os estudos realizados pela Ministério do Meio Ambiente, baseados no relatório do IPCC, apontam para um clima com menos chuvas e portanto, mais seco do que o existente atualmente. Essas alterações precisam ser ainda melhor estudadas e detalhadas, para que se possam definir medidas adaptativas específicas para a região. No entanto, alguns pesquisadores tem afirmado que os processos de desertificação em curso já seriam decorrentes das mudanças climáticas globais, embora os impactos provocados pelas mudanças de uso do solo e pelas atividades agrícolas intensivas também estão contribuindo para o agravamento dos problemas.

5.4. O Aquífero Guarani constitui uma reserva hídrica abundante e extremamente importante que aflora numa vasta área da região Sul-Sudeste do Brasil, incluindo parte da porção Oeste do Estado do Rio Grande do sul. Tem sido divulgado nos últimos anos que algumas monoculturas intensivas estariam contaminando o Aqüífero Guarani, principalmente no Estado de São Paulo, nas áreas de plantio da cana-de-açúcar e mesmo em áreas de eucalipto no Rio Grande do Sul. Sabe-se que essas culturas agrícolas são responsáveis pela contaminação dos recursos hídricos superficiais em muitos locais, afetando a qualidade das águas dos cursos d´água e de suas nascentes, além de poços caseiros utilizados para consumo de comunidades. No entanto, até o presente ainda não foram levantados dados científicos que possam comprovar a contaminação do aqüífero profundo, exceto pelo próprio poço, principalmente durante a sua abertura. Na realidade não existe interesse dos governos estaduais em realizar com seriedade necessária essa pesquisa.

O que também é preocupante e inaceitável é a exploração da água subterrânea sem critério, a exemplo de um projeto de irrigação criado pelo Governo do Estado do RGS destinado a irrigar as plantações de eucaliptos, para compensar a perda d´água em decorrência do déficit hídrico da região, como forma de assegurar as vantagens econômicas de seu plantio. O projeto é vergonhoso, uma vez que o governo além de aprovar os empreendimentos de reflorestamento, sem que tenha definido com a sociedade a sua importância e necessidade do ponto de vista estratégico, destina recursos públicos para atender interesses de uma empresa privada multinacional.

5.5. Classificação das áreas

A partir das principais características ambientais da região é possível classificá-la em 3 grandes unidades :

Primeira - Áreas degradadas: formadas pelos processos associados a desertificação, provocados por intensos processos erosivos, responsáveis por feições típicas, como ravinas e sulcos, cuja evolução progressiva ao atingir o lençol freático, dão origem a verdadeiras crateras conhecidas como boçorrocas, todas desprovidas de vegetação.

Segunda- Áreas de Cultivos: ocupadas principalmente por monoculturas (soja, milho), e que também sofreram efeitos da mecanização do uso do solo e do emprego de produtos químicos, responsáveis pela degradações, porém não no estágio crítico das áreas degradadas.

Terceira- Áreas do Bioma original, ocupadas pela vegetação nativa do Pampa com a condição de preservação diferentes graus.

Diante dessas três diferentes tipos de áreas cabe definir qual é o papel do cultivo de eucaliptos, de modo a permitir a recuperação e a ampliação da biodiversidade bastante afetada.

6. AS FLORESTAS DE EUCALIPTO E O CONSUMO DE ÁGUA

Entre os impactos ambientais gerados com o plantio de eucaliptos uma questão que tem provocado muita polêmica é a sua relação com o consumo de água. Existem muitos estudos que concluem existirem valores elevados, sendo por isto responsável pela redução da umidade do solo e destruição dos processos de recarga da água subterrânea, contribuindo para a desestabilização do ciclo hidrológico[9]. Não se pode abordar esta questão unicamente a partir de numa análise baseada na quantidade de água consumida pelas diferentes espécies , pois os resultados obtidos em numerosas pesquisas mostram valores os mais variados, considerando não apenas as espécies utilizadas, como os ecossistemas, as condições climáticas, o tipos de solos, etc. Significa que é preciso sempre avaliar quais são as comparações que estão sendo feitas. Por exemplo: o consumo de água em plantações de eucaliptos com florestas tropicas naturais de elevado crescimento, localizadas em clima úmido ou com formações vegetais naturais de menor produtividade, situadas em clima mais seco.

Trabalhos mais recentes baseados em resultados experimentais, realizados em numerosas microbacias, tem demonstrado que os eucaliptos tem um grande consumo de água, principalmente nas fases iniciais de rápido crescimento.Este crescimento da planta, por sua vez, depende das condições locais (solos, quantidade e regime de precipitações e das práticas de manejo). Mas muitas plantas nativas e mesmo outras exóticas também tem um grande consumo e os dados disponíveis mostram que o balanço hídrico das plantações de eucaliptos podem pouco diferir dessas espécies ou ser até menor(Paula Lima, 1993). No entanto, não se pode evidentemente comparar a interação existente nas matas nativas, realizadas com uma grande variedade de espécies, com uma interação realizada por um único tipo de planta (monocultura). O que se conclui é que não é o consumo isolado de água das florestas plantadas que deve ser considerado e que podem ser tanto maiores como menores, em relação a outras espécies exóticas e mesmo naturais. O que é importante é entender como a floresta interage com os componentes florestais e o meio ambiente e se esta interação contribui para a conservação da biodiversidade. Dito de outra forma, não basta analisar os dados quantitativos de água dos eucaliptos para se obter conclusões, mas - acima de tudo - se as suas florestas se adaptam ou interagem e contribuem para o equilíbrio do quadro ambiental crítico existente na região. A partir deste raciocínio é fácil de se concluir que as florestas monobióticas de eucaliptos mantém uma interação totalmente desequilibrada com a biodiversidade dos campos do Pampa.

7. AS FLORESTAS DE EUCALIPTO E A PERDA DE SOLO

Existe uma enorme diferença entre o controle dos processos erosivos realizados pelas gramíneas que possuem um sistema radicular homogêneo e mais eficiente com a fragilidade e a presença de vazios de solos expostos nas áreas de florestas cultivadas de eucaliptos. É verdade que as erosões nessas plantações artificiais tendem a ser mais intensas quando não é aplicado um plano de manejo adequado em todas as etapas do seu plantio e durante as colheitas. Normalmente, as erosões tendem a ser maiores durante a fase rotineira de preparo do solo e no período de crescimento de mudas quando os solos ficam ainda mais expostos, assim como na fase de corte raso no final de cada período de rotação.

Nas atividades silviculturais as erosões que atuam sobre as camadas superficiais do solo - onde se concentram os fenômenos biológicos mais importantes para a decomposição da matéria orgânica e para o desenvolvimento da vegetação – provocam a perda dos nutrientes e o seu empobrecimento. Os materiais transportados acabam sendo conduzidos para os corpos d´água, alterando a sua qualidade, provocando a eutrofização das águas. A contaminação das águas também se dá pelo transporte de agrotóxicos e fertilizantes transportados juntamente com as partículas dos materiais carreados[10].

Portanto, com o plantio de monoflorestas em grande escala na região do Pampa, a substituição dos campos naturais pelos eucaliptos, provoca um rompimento do equilíbrio natural de seus solos, desenvolvidos por processos de adaptações milenares, responsáveis pela manutenção da biodiversidade. Os impactos (físicos e químicos) provocados por essas culturas, se manifestam portanto, tanto na área de plantio propriamente dita, contribuindo para a degradação dos solos, como nos cursos d`água, alterando a sua qualidade e influindo na vida aquática, além dos efeitos secundários decorrentes em toda a cadeia ecológica.

8. CONCLUSÕES E PROPOSTAS

8. 1. A partir do contexto analisado e os aspectos descritos, cabe avaliar qual é o papel que se espera do cultivo de eucaliptos para o Oeste do Estado do Rio Grande do Sul e de que modo ele pode ou não contribuir para reverter esse quadro crítico, uma vez que o bioma vem sofrendo intenso processo de degradação e urge que se aplique políticas destinadas a assegurar a sua sustentabilidade ambiental. È importante lembrar que no presente texto estão sendo analisados somente os impactos ambientais, principalmente em relação aos recursos hídricos e que uma avaliação sustentável desse plantio exige a incorporação de outros elementos econômicos e sociais, incluindo políticas fundiárias de modo a garantir a reforma agrária.

Nesta avaliação é preciso, evidentemente, partir de propósitos de interesse público e não privados e muito menos de corporações transnacionais que almejam a maximização de lucros, e para isso manipulam dados e financiam pesquisas acadêmicas para justificar a expansão desses cultivos. Um passo importante é realizar uma avaliação ambiental estratégica, destinada a fornecer subsídios para a definição de políticas públicas e critérios de zoneamento econômico e ambiental, baseados em parâmetros de sustentabilidade, além de orientar os relatórios de avaliação de impactos ambientais .

Partindo das 3 categorias ambientas apresentadas no item 5.5. –Classificação de áreas, podemos acrescentar alguns elementos definidores gerais:

a) Áreas degradadas – Por serem áreas onde a degradação ambiental já alcançou um estágio avançado os cultivos de eucaliptos não constituem alternativa para a sua recuperação. È importante que esses áreas extremamente críticas, submetidas ao processo de desertificação e encontradas, normalmente de forma dispersa, sejam devidamente mapeadas e classificadas em função do seu grau de deterioração , para que se possa desenvolver um programa de recuperação. A ONU vem desenvolvendo eventos destinados aprofundar diretrizes para que as medidas aplicadas possam ter os melhores resultados.

b) Áreas de cultivos em grande escala (soja e outras) – porções controladas e restritas dessas áreas poderiam ser utilizadas para plantio de eucaliptos para atender o mercado interno de celulose e de madeira. No entanto, é preciso salientar que essa definição deve estar articulada com outras políticas, destinadas controlar o desperdício e o uso abusivo de madeira e papel, obter uma maior eficiência no uso e incentivar formas de reciclagem dos descartes, que devem fazer parte da política nacional de resíduos sólidos (projeto que está hibernando no Congresso). Sabemos que o País necessita dessas matérias primas (madeira e celulose) que podem ser obtidas com o plantio de espécies de crescimento rápido, mesmo exóticas, para atender as nossas necessidades e diminuir a pressão sobre as florestas naturais.. Aí entre um conjunto de fatores vitais que precisa ser enfrentados enquanto estamos sob domínio do sistema do capital , pois, como sabemos, ele funciona sob uma lógica de produção crescente para o mercado e não para o atendimento das necessidades da população.

c) Áreas remanescentes do bioma Pampa – Essas áreas constituem o nosso grande patrimônio, por serem essenciais para a produção de água, controle climático, controle de erosões, enfrentamento das mudanças climáticas globais, preservação da biodiversidade. Delas dependem a própria sobrevivência do homem, pois delas dependem os serviços ambientais, como a polinização dos cultivos efetuada por vários organismos. O plantio de eucaliptos não é uma alternativa para substituir os biomas e como foi visto, a expansão dos reflorestamentos exóticos contribui para a degradação das matas naturais.

8.2. Para viabilizar as políticas de expansão e recuperação das florestas nativas e dos biomas algumas medidas são essenciais, como a expansão e conservação de biomas e das matas ciliares, em vez da expansão sem limites das monoculturas. Essa proposta deve estar articulada com a formação de corredores ecológicos, em tamanho suficiente para a manutenção da cadeia alimentar de modo a assegurar a biodiversidade.

8.3. Um projeto que não foi devidamente aproveitado mas que traz uma enorme contribuição para a problemática em discussão é o Projeto Floram, concebido e desenvolvido por equipe coordenada pelo Professor Aziz AB´Sáber do Instituto de Estudos Avançados da USP. O resgate desse projeto - voltado tanto para áreas urbanas, periurbanas e rurais - é importante para definição de políticas de expansão de florestas voltadas para funções múltiplas, envolvendo ampliação de fitomassa, reflorestamento ecológico e corretivo, além de reserva de madeira. A sua exposição mais detalhada foge aos propósitos do presente texto, mas de forma resumida e esquemática, o projeto para a área rural propõem o uso preferencial de plantas nativas diversificadas, mediante, a criação de um banco de sementes, de modo a permitir a sua distribuição entre os proprietários das terras. O plantio se dá principalmente ao longo dos cercados, vias de acesso, sistemas de drenagem e voltado para a criação de um bosque natural e outro de espécies exóticas proporcionais ao tamanho da propriedade.

8.4. Todos os argumentos apresentados pelas empresas proprietárias das plantações de eucaliptos foram criticados no corpo do presente texto. No entanto, o argumento de que a biodiversidade de seus projetos é garantida com a preservação da vegetação natural, principalmente ao longo dos cursos d´água, ocupadas pelas matas ciliares – merece uma atenção especial. Compreende portanto, predominantemente, quando não totalmente, porções úmidas do bioma e que constituem áreas de preservação permanente, previstas pelo Código Florestal. Cabe avaliar se as dimensões que as grandes empresas afirmam preservar são iguais ou maiores, do que os critérios do Código. Também é importante lembrar que essas faixas preservadas, juntamente com a reserva legal obrigatória - variável para cada bioma - estão sendo objeto de pressão no Congresso Nacional, pela chamada “ bancada ruralista”, para que seja aprovada uma lei, destinada a reduzir as suas dimensões, de modo a propiciarem mais áreas para os cultivos , embora mesmo protegidas, não são cumpridas pela grande maioria das empresas rurais, incluindo as de grande porte.

De qualquer modo, o argumento dos empresários do plantio industrial de eucaliptos é totalmente equivocado e não tem bases científicas de sustentação. Qualquer bioma é composto por várias tipologias de vegetação e de ecossistemas integrados e inter-relacionados e que funcionam de forma equilibrada, como já foi exposto neste texto. Significa que para assegurar a biodiversidade, é necessário que os seu espaços não sejam segmentados. É como se disséssemos que os organismos de todos os seres humanos, pudessem funcionar sem as suas partes vitais, como o pulmão, o coração ou outros importantes. Além disso, as matas ciliares preservadas estão cercadas pelo plantio de espécies exóticas (eucaliptos) podendo surgir um processo de competição entre elas, fazendo com que as exóticas progressivamente ocupem as áreas das matas ciliares.

(junho 2009)

REFERÊNCIAS

Agência Fapesp, Invasive plants transform the three-dimensional structure of rain forests, de Gregory Asner e outros. Acessível em: www.pnas.org.

Aracruz,disponível em: http://www.aracruz.com.br/home.do?lang

Bourscheit, A., Em Busca da vocação Natural, Página 22, número 18, 2008.

Branco, S.M., Ecossistêmica- Uma Abordagem Integrada dos Problemas do Meio Ambiente,Editora Edgard Blucher Ltda, 1989.

Corrêa, S.F.,Palestra proferida no Curso de Comércio Exterior em 04.05.2000, Senac.

Paula Lima, W. de, Impacto Ambiental do Eucalipto, EDUSP, 1993. Proceedings of the National Academy of Sciences (Pnas), citado pela Agência Fapesp, 5.03.2008, disponível em:

[1] Fonte: Aracruz

[2] idem

[3] Branco, S.M., Ecossistêmica- Uma Abordagem Integrada dos Problemas do Meio Ambiente,Editora Edgard Blucher Ltda, 1989.”

[4] Proceedings of the National Academy of Sciences (Pnas), citado pela Agência Fapesp, 5.03.2008.

[5] As análises também foram feitas em reservas protegidas, significando que o cenário possa ser ainda pior, segundo o Pesquisador Asner, “Essas espécies conseguem se espalhar por áreas protegidas e sem a ajuda de alterações promovidas pelas atividades humanas. Isso sugere que as abordagens tradicionais de conservação não são suficientes para a sobrevivência a longo prazo das florestas”..

[6]Corrêa, S.F.,Senac,200).

[7] Bourscheit, A., Em Busca da vocação Natural, Página 22, número 18, 2008.

[8] Idem

[9] Jayal, 1985, citado por Paula Lima, 1993.

[10]No plantio do eucalipto são utilizados produtos químicos (herbicidas) para a eliminação das plantas daninhas, as chamadas plantas invasoras, principalmente na fase inicial do seu cultivoe agrotóxicos para enfrentar o ataque das pragas, como é o caso do fungo Chrysoporthe Cubensisepodem ser empregadas tanto nas áreas de cultivo e produção de mudas, nos viveiros. Citado por Souza Lima

Fuente: ALAI

Temas: Monocultivos forestales y agroalimentarios

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