Brasil: Amazônia que temos! Amazônia que queremos!
A Amazônia que temos é fruto do modelo de desenvolvimento alheio aos interesses do povo da região. Sua inserção à economia sempre ocorreu em condições de subordinação e exploração. Os Planos de Desenvolvimento jamais consideraram a preservação dos recursos naturais e as tradições culturais dos povos da região. O processo de ocupação e exploração dilacerou a natureza e o homem amazônidas. Os grupos políticos e econômicos que criaram enclaves de desenvolvimento taparam os olhos diante dos vergonhosos enclaves de pobreza que proliferaram em sua volta
A Amazônia para muitos ainda encerra o mito da terra liberta, sem males, pacifica e não subordinada à lógica capitalista e às regras econômicas liberais. O Brasil e o mundo, a não ser em curtos períodos históricos, como o ciclo da borracha, caminharam ignorando a existência da Amazônia.
Na solenidade da Ascensão de Nosso Senhor, as Igrejas da Amazônia Oriental, reunidas no I Simpósio sobre a Amazônia, sentem-se interpeladas para refletir sobre " a Amazônia que temos e a Amazônia que queremos " e se propõem a testemunhar e anunciar o Evangelho da Vida, segundo o mandato de Jesus " Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa Nova a toda criatura " (Mc 16,15).
A Amazônia que temos é fruto do modelo de desenvolvimento alheio aos interesses do povo da região. Sua inserção à economia sempre ocorreu em condições de subordinação e exploração. Os Planos de Desenvolvimento jamais consideraram a preservação dos recursos naturais e as tradições culturais dos povos da região. O processo de ocupação e exploração dilacerou a natureza e o homem amazônidas. Os grupos políticos e econômicos que criaram enclaves de desenvolvimento taparam os olhos diante dos vergonhosos enclaves de pobreza que proliferaram em sua volta.
A Amazônia que temos é de muitos rostos. A diversidade cultural, as sociabilidades construídas vão desde a beira dos rios e o meio da floresta até aos centros e conglomerados de espigões das suas metrópoles.
A Amazônia que temos não abandonou as práticas da histórica formação do espaço brasileiro. Somente nos Estados do Pará e Amazonas 58 milhões de hectares de terra são oriundas da grilagem. O desmatamento atinge patamares nunca monitorados pelos satélites, colocando municípios paraenses na liderança como é o caso de São Félix do Xingu, líder em desmatamento no Brasil, de trabalho escravo, de violência e de conflitos no campo.
A Amazônia que temos não abandonou as práticas coronelistas. No Marajó, a maior ilha fluvial do mundo, 80% das terras estão concentradas nas mãos de poucas pessoas da velha oligarquia rural. Trabalho escravo, pirataria nas águas, superexploração do trabalho são realidades entre o povo marajoara. As condições de vida são precárias. Crianças morrem de fome em uma região tão rica em recursos naturais.
A Amazônia que temos tornou-se tristemente famosa pela violência, impunidade e os conflitos no campo e na cidade. Dos 772 assassinatos de trabalhadores rurais das últimas três décadas, em apenas três casos os mandantes dos crimes foram julgados: um deles cumpre a sentença em prisão domiciliar, os condenados de outros aguardam julgamento de recursos em liberdade.
A Amazônia que temos é manchada com o sangue de seus mártires. O assassinato da Irmã Dorothy Stang em 12 de fevereiro de 2005 chocou o Brasil e o mundo. A Irmã de 73 anos, 40 deles dedicado ao Brasil e à Amazônia, morreu porque defendia um paradigma de desenvolvimento baseado nas condições de vida e tradições culturais. Derramou seu sangue ao defender camponeses e os recursos da floresta.
A Amazônia que temos, com toda a sua riqueza também se esgota. A Amazônia Oriental é a região mais agredida pela exploração madeireira, pela pecuária, pela soja, pela mineração e pelo uso dos recursos hídricos.
A Amazônia que temos, saqueada e devastada, teve como principal agente impulsionador o Estado Brasileiro. O povo amazônida não é consultado. O Estado permite que as políticas neoliberais e capitalistas explorem todas as riquezas da região.
O povo da Amazônia sempre resistiu. A rapina ocorreu à custa de muitos confrontos das comunidades tradicionais, (ribeirinhos, povos indígenas, pescadores, extrativistas), do campesinato, do movimento social urbano.
A Igreja na Amazônia se coloca decididamente ao lado dos pobres e excluídos, daqueles que n ão têm voz nem vez, dos esquecidos e humilhados. As Comunidades Eclesiais de Base estão na origem de muitos movimentos sociais, fomentando a resistência dos povos dessa região.
A Amazônia que queremos deve preservar a história da resistência negra, cabocla e indígena, que coloca a pessoa humana e o mundo criado por Deus como centro e sujeito do desenvolvimento.
A Amazônia que queremos respeita os territórios indígenas e quilombolas e exige a democratização da terra e dos espaços urbanos.
A Amazônia que queremos gera emprego, disponibiliza moradia, zela pela educação, saúde e condições dignas de sobrevivência para todos os seus filhos e filhas.
A Amazônia que queremos é o cenário em que as Igrejas estão abertas ao diálogo ecumênico e inter-religioso, onde valorizem a inculturação, a espiritualidade ecológica e as relações de gênero.
Queremos uma Amazônia que seja verdadeiramente lar para seus povos!
Belém, 08 de maio de 2005.
Participantes do I Simpósio Sobre Amazônia