90% da extensão original da Mata Atlântica foi destruída; precisamos monitorar e recuperar o bioma
Neste Dia da Mata Atlântica, lembramos a importância do bioma para a sobrevivência no país e no mundo; e a contribuição da Reforma Agrária Popular na sua recuperação.
Abrangendo a costa leste, sudeste e sul do Brasil, a Mata Atlântica é mais do que um patrimônio biológico e cultural do país: ela está intrinsecamente ligada à nossa identidade como filhos e filhas desta terra, e é deste bioma que dependem serviços essenciais como o abastecimento de água, regulação do clima, agricultura, pesca, energia elétrica e turismo.
O que chamamos de Mata Atlântica é principalmente mata ao longo da costa litorânea, que se estende do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul, passando por 17 dos 27 estados brasileiros como os estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro e Santa Catarina, e parte do território do estado de Alagoas, Bahia, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, São Paulo e Sergipe.
Atualmente, a Mata Atlântica resiste a uma série de ameaças, sejam elas provocadas pela crise do capital, pelo agronegócio e, mais recentemente, pelas políticas de destruição ambiental do governo Bolsonaro. E os resultados da devastação nesse bioma são visíveis todos os dias, como a falta de água, o impacto na produção de alimentos e o aumento no risco de desastres ambientais.
Dados da edição deste ano do Atlas da Mata Atlântica apontam que esta destruição pode impactar diretamente 70% dos brasileiros e brasileiras. De 2020 a 2021, houve um aumento de 66% na devastação da Mata Atlântica em comparação aos dados de 2019-2020, e 90% maior que entre 2017 e 2018 (11.399 hectares).
O livro Revisões em Zoologia – Mata Atlântica, de 2018, traz o consenso de que a Mata Atlântica abriga o maior número de espécies endêmicas de aves no Brasil e é um dos ecossistemas mais diversos para este grupo em todo o planeta. Das 160 espécies de aves ameaçadas no Brasil, 98 vivem na Mata Atlântica.
Efeito Bolsonaro e o agronegócio
Desde que assumiu a presidência da República, Jair Bolsonaro (PL) promoveu uma série de desmontes nas políticas públicas de preservação do meio ambiente, e tem seguido elas à risca. Segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), somente nos últimos três anos o desmatamento da Amazônia aumentou, ao passo em que muitos órgãos de fiscalização têm sido atacados e outros biomas estão sob intensa ameaça.
Para se ter uma ideia, o Brasil já desmatou 20 mil campos de futebol na Mata Atlântica em um ano, um resultado concreto de como o capital impacta e atualiza suas formas de apropriar e financeirizar os bens comuns, como a água, os minérios, a terra e a biodiversidade.
“Temos que entender a quem interessa todo o processo de degradação que vem ocorrendo historicamente no Brasil. Foi assim que a gente começou a incorporar que a luta social precisaria estar junto com a luta ambiental”, lembrou Nilton Tatto ao SOS Mata Atlântica.
Adelson Lima, do MST no Espírito Santo, aponta que o modelo de produção do agronegócio tem uma grande parcela de responsabilidade no desmatamento e destruição da Mata Atlântica, pois “promove o esvaziamento do campo e o inchaço nas periferias das cidades, mas também com o uso exacerbado de agrotóxicos e agroquímicos, é uma das principais causas da degradação ambiental e do desflorestamento em todo o globo.”
A agroecologia como esperança
Defender a Mata Atlântica e, de forma geral, o meio ambiente, é defender a vida, o bem mais precioso e que precisamos cuidar, ainda mais depois de uma pandemia que fez a sociedade encarar a morte e o luto de frente. Mas para isso, é preciso ir além da abstração de culpar os seres humanos que, inerentemente, destroem o planeta devido à sua natureza: a ação precisa ser contextualizada diante da realidade socioeconômica no qual nos desenvolvemos.
A agroecologia tem se tornado uma saída viável e possível para entender este contexto. A Mata Atlântica é hoje o lar de 72% dos brasileiros e concentra 70% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. E essa sobrevivência depende ainda deste consumo consciente da comida de verdade, aquela que respeita a floresta e a biodiversidade, não destrói o solo e não contamina a água.
“Partindo do princípio que comer é um ato político, a sociedade precisa se engajar, buscar organizações, movimentos sociais da Reforma Agrária, agricultura familiar e camponesa, que estão vinculados à pauta ambiental com a produção de alimentos saudáveis e fornecem esses alimentos. Buscar o consumo dessas entidades e o consumo local também, contribuindo com a sustentabilidade e o desenvolvimento local, sustentável”, afirma Diorgines da Costa Nunes (conhecido como Didi), do MST no Espírito Santo.
Nesse sentido, Adelson também defende a Agroecologia, como o caminho mais correto para assegurar a preservação do meio ambiente e, ao mesmo tempo, promover um desenvolvimento mais equilibrado da sociedade. “Agroecologia é essa tomada de decisão, de não apenas produzir orgânicos, produzir sem agrotóxicos, mas é também uma forma de produzir em sintonia com o meio ambiente, com as florestas, com agroflorestas. Uma produção em harmonia entre os seres humanos, o meio ambiente e a sociedade como um todo.”
Se por um lado os desafios aumentaram, de outro a esperança não morreu. No Plano Nacional Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis o MST propõe uma nova forma de defender a Mata Atlântica, através da conscientização e fortalecimento da agroecologia. Para a militância Sem Terra, precisamos não apenas plantar árvores, mas mudar um sistema que vende a ideia de que é necessário destruir a natureza para alcançar bem-estar.
Experiências como do assentamento de Reforma Agrária no Alto Vale do Ribeira, mostrado em reportagem do MST, demonstram que é possível aliar a produção de alimentos saudáveis à preservação da Mata Atlântica e, neste sentido, ser revolucionário frente ao extrativismo enfrentando o grande inimigo do sistema econômico que constantemente, para continuar gerando riquezas, busca abrir fronteiras ativas em territórios, principalmente os indígenas.
Para a ampliação dessas experiências de cultivo agroecológico e sistemas agroflorestais, orgânicos, em harmonia com a Mata Atlântica, Didi explica que um dos grandes desafios está na retomada de políticas públicas e programas de incentivos destinados às famílias camponesas e adequados à realidade dessa famílias, que ajude a potencializar a restauração ambiental.
“O desafio é de fato, ter programas, recursos financeiros, que possibilitem o acesso tanto a recursos financeiros, para ter acesso a créditos, assessoria técnica, acesso à tecnologia. Esse é um dos principais desafios, que hoje quase são inexistentes ou quando existem são de difícil acesso por várias exigências, desde questões burocráticas, até questões de atendimento legal, que impossibilitem, às vezes, alguns grupo de famílias ou mesmo uma associação a ter acesso a esses poucos recursos, quando existentes”, resume Didi.
Ele explica ainda, que esse é um dos grandes desafios enfrentado pelas famílias Sem Terra quando conquistam um assentamento de Reforma Agrária, pois como as áreas de assentamento são criadas em latifúndios improdutivos e degradados, muitos com criações de gado e pastagens, cabe aos agora assentados e assentadas o ônus de recuperar essas áreas e transformar esses agrossistemas em produtivos, porém, faltam investimentos públicos para apoiar os camponeses na recuperação e produção dessas áreas.
Adelson também lamenta a falta de políticas públicas para auxiliar os camponeses na produção de alimentos, bem como nas ações de preservação e recuperação do meio ambiente nos territórios da Reforma Agrária em áreas da Mata Atlântica e outros biomas. “Os camponeses enfrentam uma falta de políticas públicas, de permanência do campo e de realização da Reforma Agrária. Mas, também uma falta de política pública de recuperação de áreas, incentivo ao plantio e convívio com arborização, políticas públicas de agroecologia, de agrofloresta”, relata.
Porém, mesmo diante da falta de políticas públicas, o MST tem enfrentado essas questões e buscado desenvolver agrossistemas de preservação e recuperação do bioma, como explica Adelson. “No caso do Espírito Santo, nas regiões, onde há ampla maioria de camponeses, é justamente nessas regiões que há grandes áreas com florestas, reafirmando que é possível o convívio da produção camponesa e a preservação e recuperação ambiental.”
Diferente do agronegócio, que usa a desculpa de destruir a floresta na expectativa de recuperá-la no futuro, a agroecologia preserva e amplia as possibilidades de um futuro possível. A natureza não espera e ainda há muito trabalho a fazer. O primeiro passo é reconhecer a urgência neste chamado da natureza que não podem ser preteridos à urbanização e à falta de planejamento do espaço.