70% dos alimentos do mundo vêm da agricultura familiar, afirma economista
"De que adianta dar um estímulo brutal para a produção de comida da agricultura familiar, se o agricultor não tiver onde colocar esses produtos? Por que ele não tem espaço? Porque o sistema de comercialização é fortemente oligopolizado, dominado pelos supermercados. As cadeias de supermercado dominam hoje 85% do volume global de alimentos comercializados, as grandes redes controlam mais de 50%, e para entrar no supermercado é preciso ter uma escala que a agricultura familiar não tem."
29 de maio de 2014
Da IHU On-Line
Os incentivos para o desenvolvimento da agricultura familiar brasileira não passam de um “estímulo de intenções”. A ponderação é de Newton Narciso Gomes Junior, professor da Universidade de Brasília – UnB, em entrevista concedida à IHU On-Line, pessoalmente.
Políticas de estímulo ao desenvolvimento da agricultura familiar, como o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA e a Lei Federal que determina que 30% dos alimentos servidos nas escolas devem provir da agricultura familiar, são reféns do sistema nacional de abastecimento de alimentos, já que o processo de comercialização é oligopolizado.
“O que adianta dar um estímulo brutal para a produção de comida da agricultura familiar, se o agricultor não tiver onde colocar esses produtos? (...) As cadeias de supermercado dominam hoje 85% do volume global de alimentos comercializados, as grandes redes controlam mais de 50% e para entrar no supermercado é preciso ter uma escala que a agricultura familiar não tem”, argumenta.
Segundo ele “a agricultura familiar tem uma característica de diversificação da produção, e o supermercado não aceita a diversificação da produção; ele tem um conjunto de produtos que integra os elementos de interesse dele. (...) Você olha para o setor de frutas, legumes e verduras no supermercado e chega a provocar indignação. Por exemplo, em pleno período de inverno tem manga disponível, mas não é período de manga, aliás, você tem todos os produtos que quiser, no dia que quiser, e isso quebra a possibilidade do agricultor familiar, que trabalha com práticas tradicionais e sustentáveis”.
Na avaliação de Gomes Junior, apesar de a agricultura familiar ser “relevante do ponto de vista do potencial de produção de comida”, ela vem perdendo importância por conta da não revisão do sistema nacional de abastecimento. Entre as implicações, destaca, há um “formidável espetáculo de insegurança alimentar por inadequação da dieta”.
Entretanto, ressalta, “a leitura política do governo é de que a questão da agricultura brasileira está resolvida na medida em que ela é decisiva para resolver os nossos problemas de déficits ou de balanço de pagamentos”. Para ele, somente a reforma agrária possibilitará a produção de “comida” para a população.
“A minha posição sobre a reforma agrária é a seguinte: é prioridade, neste país, a produção de alimentos para a população, de sorte a garantir a nossa soberania alimentar não só pela autossuficiência, mas pelo direito de produzirmos o que entendemos ser razoável, para quem definimos que é importante e como definimos produzir isso da melhor forma possível. Nesse sentido, não tenho nenhum problema em defender que a reforma agrária deve enfrentar abertamente a desapropriação dos latifúndios, até porque esses latifúndios, que são tão importantes, se mantêm e se sustentam com o índice de produtividade de 1975, o que é uma ficção”, frisa.
Newton Narciso Gomes Junior é graduado em Economia pela Universidade de São Paulo – USP, especialista em Abastecimento Alimentar e Desenvolvimento Rural e doutor em Políticas Sociais pela UnB. Atualmente é professor do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília, do Programa de Pós-Graduação em Política Social da UnB e Coordenador do Diretório de Pesquisa Neads-Núcleo de Estudos Agrários, Desenvolvimento Social e Segurança Alimentar e Nutricional. É coordenador editorial da revista da Associação Brasileira de Reforma Agrária.
Confira a entrevista:
Qual é o potencial agrícola do Cerrado? Qual é o cenário da alimentação e da nutrição na região centro-oeste?
Antes de responder à questão, vamos discutir o que é potencial agrícola, porque se nós formos tomar pela perspectiva do que normalmente se entende por potencial agrícola, que é produção de algo que as pessoas resolveram chamar de alimentos, eu francamente não conheço nenhuma pessoa que tenha, como alimento regular, a soja, o milho seco, o trigo e o arroz na palha. Sob a perspectiva da produção de commodities, o Cerrado, Brasília e a região do Distrito Federal (DF) como um todo, se projeta como um produtor razoável, porque está crescendo a produção de soja e de milho.
Mas o DF é uma região importadora líquida de outros produtos, isto é, não tem uma produção daquilo que eu reputo como comida em volumes adequados para o atendimento das necessidades alimentares da população, ou seja, frutas, verduras e legumes.
Em uma cidade ou em uma região como o Distrito Federal, em que mais de 95% da população vive em um espaço urbano, a rapidez no hábito de comer se transformou quase que numa obrigação. Por conta disso, o padrão alimentar no DF, assim como no Brasil como um todo, foi corrompido e está assentado no consumo cada vez maior de produtos preparados, congelados e industrializados.
Então, sob essa perspectiva, ao olhar o potencial agrícola do DF, é como se nós estivéssemos olhando para o nada. Se fôssemos olhar pela perspectiva da produção de alimentos, nós teríamos de pensar o potencial agrícola e o sistema de comercialização. Nesse sentido, há um potencial para produzir alimentos, só que não é esta a direção que está sendo dada lá, nem em lugar nenhum. Por isso, embora a região tenha um potencial agrícola para produção de comida, não é esse o objetivo, nem é esse o foco do desenvolvimento e dos interesses do governo; nem deste atual, nem dos anteriores.
Assim, os alimentos consumidos no DF vêm de todos os lugares: de Goiás, do Maranhão, do Pará, de São Paulo, de Pernambuco. A lista é bastante grande. Então, o DF, nesse sentido, é um espaço fortemente dependente da produção externa; ele é um exportador de commodities.
Como o senhor vê, no Brasil, o avanço do agronegócio e as tentativas de incentivo à agricultura familiar? O que as políticas públicas do Estado brasileiro demonstram em relação a esses campos?
Existe um conjunto expressivo de ações de políticas públicas no sentido de desenvolver a agricultura familiar. Vou citar duas que me parecem as mais promissoras: o Programa de Aquisição de Alimentos - PAA e a Lei Federal que determinou que 30% do volume global dos alimentos servidos para a alimentação escolar devem provir da agricultura familiar. Esses são estímulos para a agricultura familiar, mas trata-se de um estímulo de intenções, porque não adianta nada — estou tratando do campo das compras institucionais —, do ponto de vista da produção agrícola, plantar para o mercado institucional.
Não há nenhuma política pública, nem na parte central do Estado, nem nas instâncias subnacionais, ou seja, governos estaduais e municipais, que reveja os marcos do sistema de abastecimento. Então, de que adianta dar um estímulo brutal para a produção de comida da agricultura familiar, se o agricultor não tiver onde colocar esses produtos? Por que ele não tem espaço? Porque o sistema de comercialização é fortemente oligopolizado, dominado pelos supermercados. As cadeias de supermercado dominam hoje 85% do volume global de alimentos comercializados, as grandes redes controlam mais de 50%, e para entrar no supermercado é preciso ter uma escala que a agricultura familiar não tem.
Manifestação de intenção
Além disso, a agricultura familiar tem uma característica de diversificação da produção, e o supermercado não aceita a diversificação da produção; ele tem um conjunto de produtos que integra os elementos de interesse dele. Por isso, não encontramos mais no supermercado a diversidade de produtos que se encontrava na feira. Você olha para o setor de frutas, legumes e verduras no supermercado e chega a provocar indignação.
Por exemplo, em pleno período de inverno tem manga disponível, mas não é período de manga, aliás, você tem todos os produtos que quiser, no dia que quiser, e isso quebra a possibilidade do agricultor familiar, que trabalha com práticas tradicionais e sustentáveis. Para manter uma produção dessas, ele tem de lidar com o uso abusivo de veneno.
Então, sob essa perspectiva, a política do governo, de um lado, pode estar estimulando e protegendo a oferta da agricultura familiar, contudo, quando nós aproximamos a lente e enxergamos com mais detalhe, observamos que é apenas uma manifestação de intenção.
Então, sob a perspectiva do governo, embora haja políticas de estímulo à produção, não há nenhuma iniciativa no sentido de rever os marcos do sistema de abastecimento alimentar nacional, e com isso praticamente se anulam as vantagens que o PAA e o programa de alimentação escolar possam representar, ou o mercado institucional possa representar para a agricultura familiar produtora de comida.
Os ambientalistas dizem que grande parte do território do Cerrado está destinada à produção de grande escala. Qual é atual situação do bioma em relação à produção de alimento?
O Cerrado tem um sistema de produção que emprega, em uma região de baixa quantidade de água, o uso de técnicas que estão superadas, como é o caso do pivô central. Se você passa por regiões de Brasília onde há soja, milho e batata plantados, você se choca com os pivôs centrais, porque eles são desperdiçadores de água. A simetria entre o produto saudável, o preço do produto saudável e a renda disponível para acessá-lo faz com que a população acesse os produtos industrializados, semielaborados e processados, que são muito mais baratos.
Comida x produtos
A última publicação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD Alimentar mostra que, tanto para oBrasil quanto para Brasília, o nível de segurança alimentar é acima de 80%.
Entretanto, qual é a definição de segurança alimentar da PNAD? É a de que as pessoas têm acesso a alimentos. A parte principal de insegurança alimentar é a insegurança alimentar leve, que é a possibilidade de, em algum momento, por alguma razão, ter de substituir eventualmente algum tipo de produto, ou seja, ao invés de sacrificar a quantidade, sacrificar a qualidade.
Mas quando você pega a Pesquisa de Orçamento Familiar – POF, no suplemento antropometria, e descobre que 51% da população brasileira enfrenta problemas ou com sobrepeso ou com obesidade, você descobre que aquela segurança alimentar apontada pela PNAD se refere apenas ao ponto de vista do acesso e, portanto, o discurso político é falso, porque não se melhorou o problema da fome.
Pelo contrário, se piorou a segurança alimentar, porque agora existem pessoas que comem “comida” que não é comida, ou seja, substâncias alimentares que são qualquer coisa, menos comida. Essas substâncias só serão comida se você conseguir me mostrar que existe, na natureza, batata sabor picanha, biscoito sabor pizza. Se você me falar que conhece um pé que dá uma fruta com sabor bife, aí retiro tudo o que eu disse.
Qualquer pessoa que cozinhe — e esse é meu caso — é incapaz de produzir coisas tão padronizadas; eu nunca vi ninguém conseguir batatas onduladas “com risquinho”, todas do mesmo tamanho e da mesma cor. Isso não existe na natureza.
Como nós podemos pensar em segurança alimentar diante disso? O que temos é o formidável espetáculo de insegurança alimentar por inadequação da dieta. Quando as pessoas falam que o problema é de acesso, eu digo que não é de acesso, porque o acesso regular e permanente está equacionado.
A parte que é miserável na sociedade é representada por um conjunto de pessoas que integram o que eu chamo do proletariado, o desempregado estrutural. Quando o sistema não tem mais o que fazer com essa pessoa, ela passa a ser objeto da assistência. São mais de 800 milhões de pessoas no mundo que vivem em uma situação de fome, de absoluta desproteção social, que é resultante de um sistema que é naturalmente excludente; o modo de produção capitalista exclui as pessoas, é da natureza desse modo de produção capitalista.
Quando o problema da insegurança alimentar está relacionado à falta de acesso, há um problema econômico?
No caso dos miseráveis, sim. Essas são pessoas que foram descartadas pelo sistema porque o conhecimento, a capacidade de trabalho delas já não interessa mais. Em relação a isso, sou radical e digo o seguinte: não há uma solução para a problemática das necessidades humanas básicas, tais como saúde plena, capacidade de agência, ou seja, capacidade de agir na realidade, e autonomia crítica, quer dizer, capacidade de interpretar a realidade, compará-la com seus sonhos, e alterá-la pela agência de modo a aproximá-la do seu sonho.
Não há nenhuma perspectiva do ponto de vista da satisfação dessas necessidades por intermédio das necessidades intermediárias, como comida, água, meio ambiente, etc., sob a perspectiva de um modo de produção que é notadamente concentrador de renda, que é excludente de pessoas e que persegue algo como a síndrome das Filhas de Danaides, que têm de encher um tonel que nunca enche. Essa é a sina do capital; ele tem de produzir lucro incessantemente e, para produzi-lo, vai criando cada vez mais fórmulas que expulsem pessoas da sua capacidade de consumo.
O resultado disso é milhões de pessoas lançadas na mais absoluta miséria. E aqui não se trata do fato de as pessoas serem só miseráveis, mas do fato de não terem como não ser. A superação dessa condição e a garantia de acesso para essas pessoas só se dá pela transferência direta de renda e por garantia de que elas possam ter alimentos, se não comprado, dado.
Projeto Savana
Na África, por exemplo, o projeto Savana, que vai atacar o Cerrado Africano, é criminoso. Ele vai resolver problemas de renda das pessoas? Sim, vai resolver. As pessoas vão ter emprego? Serão exploradas. E vai resolver o problema alimentar? Não. Vai destruir a história das pessoas que vivem há séculos no mesmo pedacinho de terra. A tendência é que elas desapareçam como já aconteceu no Norte de Moçambique com a mineração.
Como garantir a segurança alimentar nesse contexto?
A segurança alimentar deve ser tomada pela perspectiva da mudança radical ou da disputa, pelo menos, do imaginário social. Na Guiné-Bissau, estão recuperando a qualidade e o compromisso que as pessoas têm com sua própria história.
Quando se recupera o compromisso, se ganha um novo sentido na vida. O que estou querendo dizer é que a insegurança alimentar contempla também a destruição de padrões, de história, de cultura dos povos. Tudo isso foi substituído por uma noção pasteurizada de que o que importa é comer, então qualquer coisa que eu coma e que me satisfaça, vale.
Insegurança alimentar
Se você considera que, além disso, os tempos das nossas vidas se encurtaram muito, as pessoas cada vez mais comem sozinhas, cabisbaixas, mexendo no telefone ou no relógio, porque têm de comer depressa para pagar conta no banco, e se você acrescentar isso à vida das mulheres, aí a coisa se complica, porque essas mulheres, além de estarem sujeitas a esse tipo de coisa, quando chegam em casa a jornada de trabalho não está esgotada: elas têm de cuidar da casa, saber da vida dos filhos, preparar as coisas do dia seguinte e além de tudo prover a casa de alimento.
Então, note, sob a perspectiva de segurança alimentar, dizer que nós vivemos com segurança alimentar é uma bobagem. Nós vivemos uma insegurança alimentar, e cada vez mais isso tende a se agravar, porque aumenta o número de pessoas que tomam suas refeições fora do domicílio. Tomar refeições fora do domicílio não significa compartilhar, significa comer rapidamente comida por quilo. Eu não como comida por quilo; como prato feito, e se não tiver prato feito, não como.
Eu tenho uma resistência não por arrogância, frescura, mas prefiro comer arroz, feijão, carne, salada e ovo frito. Isso para mim é um prato feito que compõe o que é a ideia da comida brasileira. Na comida por quilo você come leitoa, que é comida de dia de Natal, bacalhau, que é comida da Semana Santa, frango com macarrão, que é comida de domingo. Tem comidas que são do dia de domingo e eu não posso comer na segunda-feira.
Qual é o peso da agricultura familiar no Brasil?
De acordo com uma pesquisa daFAO/Incra, 65% a 75% do volume global de alimentos que nós consumimos têm origem na agricultura familiar. Se nós considerarmos algo em torno de quatro milhões e meio de propriedades que vivem na agricultura familiar, e olharmos o que é o consumo nacional dos produtos que têm como referência a agricultura familiar, isso vai dar em torno de alguns gramas por propriedade/dia.
Então, a primeira questão é: quem está produzindo? Certamente não é o pessoal do semiárido; ou seja, tem uma produção concentrada. Depois, você vai investigar quais são os alimentos produzidos — porque nós não consumimos a quantidade de frutas, legumes e verduras recomendada pela organização mundial de saúde por dia. Nesse sentido, a agricultura familiar no Brasil, quando definida como produtora de comida, é pouco relevante se confrontada com o agronegócio, porque o agronegócio não é só política de exportação. As pessoas às vezes se chocam com essa ideia e dizem que estou desqualificando a agricultura.
Eu não nego a importância dela, ao contrário, eu a considero fundamental, mas gosto de olhar o dia a dia das pessoas, o comportamento e o carrinho de compras delas no supermercado, os quais têm dois pés de alface, tomate, banana, abobrinha, pimentão e o resto é arroz, feijão, sardinha, macarrão, produto congelado, todas as coisas que são semiprontas e que não são produção da agricultura familiar.
Agricultura familiar e a política de abastecimento
Então, a agricultura familiar é relevante do ponto de vista do potencial de produção de comida, mas essa relevância vem perdendo importância na medida em que não há uma política pública de revisão do sistema nacional de abastecimento.
Enquanto não tivermos uma séria revisão do sistema nacional de abastecimento, cada vez mais vamos consumir uma pauta mais estreita de produtos, e uma das características importantes da agricultura familiar é o fato de ela produzir produtos diversificados, que fazem parte das culturas alimentares diferentes, respeitando as realidades regionais; portanto, o que se consome no Rio Grande do Sul é diferente do que se consome noAmazonas, etc.
Padronização
A padronização da alimentação só é possível por intermédio da industrialização de alimentos. A agricultura familiar poderia ter um papel decisivo na reversão do curso da transição alimentar que está associado aos agravos de saúde relacionados a sobrepeso, diabetes, problemas coronários, hepáticos, etc.
Mas hoje ela não conta com isso porque não tem apoio: as políticas de extensão são frágeis, as políticas de financiamento são curtas e os espaços de comercialização que estimulariam essas ofertas são ruins ou são oligopolizados, portanto, desfavoráveis àagricultura familiar. Ela não é uma parte folclórica; é parte da produção daquilo que chamo de “comida” e isso deve estar acima da produção dessa coisa genérica que tratam como alimento, mas que na verdade são produtos que têm uma base de substâncias alimentares que não significam nada.
Nós vivemos ao contrário. A nossa produção agrícola, que tanto pesa no mercado internacional, contribui para a produção de substâncias alimentares. O Brasil é um país que contribui para o rebaixamento do custo da redução da força de trabalho pela violação do padrão alimentar tradicional. Nós produzimos coisas que vão dar origem a substâncias alimentares que não têm nada a ver com a identidade das pessoas. Daqui a pouco o que você comer noAlasca, você estará comendo no Rio Grande do Sul.
Considerando a produção de comida, a reforma agrária ainda é necessária e há possibilidade de fazê-la?
Eu não sou do PT, sou militante do Partido Comunista Brasileiro, o velho PCB, e continuo no mesmo lugar em que sempre estive. Não tenho nenhuma convergência com essa ideia de que a reforma agrária é algo superado; não discuto uma reforma agrária popular. Reforma agrária é reforma agrária e o inimigo está muito claro: o adversário principal é representado pelo latifúndio, seja ele produtivo ou improdutivo, não interessa. O problema é: produzindo o que para quem?
Não posso aceitar que esteja resolvido e equacionado o problema agrário brasileiro quando a concentração de terra é a mesma de 1872. Não posso aceitar que a questão agrária brasileira esteja resolvida quando a concentração de poder político daqueles que defendem essa estrutura concentrada, aumenta.
Não falo somente da bancada ruralista, mas de um conjunto de parlamentares que defendem essa visão de que o Brasil deve ser um grande exportador de alimentos. Eu, francamente, sou um sujeito bípede e racional, e não como milho cru no cocho e tampouco mastigo soja.
Quanto mais mantivermos milhares de pessoas apartadas da condição de produzir comida no campo, quanto mais as mantivermos fora da produção daquilo que é essencial para a construção da soberania alimentar, que é o que produzir, como produzir e para quem produzir, maior será o problema de injustiça social e insegurança alimentar.
Fonte: MST