Patentes em nanotecnologia marcam desigualdade entre países

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Apesar dessa nova tecnologia estar dando apenas seus primeiros passos, há uma euforia em relação aos pedidos de patentes que é movida por previsões como as da National Science Foundation (NSF), do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, sigla me inglês), ou do próprio governo dos Estados Unidos

"A despeito de previsões otimistas de que a nanotecnologia proverá soluções técnicas para a fome, as doenças e a segurança ambiental no Sul, o ritmo extraordinário de patenteamento nessa área sugere que as nações em desenvolvimento participarão apenas via pagamento de royalties". A afirmação foi feita pelo Grupo de ação sobre erosão, tecnologia e concentração (ETC Group), sediado em Ottawa (Canadá), em resposta à questão central de seu mais recente relatório de pesquisa: quais as implicações das patentes na área de nanotecnologia para os países em desenvolvimento?

Ao apresentar o panorama atual, o ETC Group aponta para uma avalanche de pedidos de patentes nessa área, por parte de universidades, governos e empresas que almejam ditar as regras desse futuro mercado. Segundo o relatório, apesar dessa nova tecnologia estar dando apenas seus primeiros passos, há uma euforia em relação aos pedidos de patentes que é movida por previsões como as da National Science Foundation (NSF), do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, sigla me inglês), ou do próprio governo dos Estados Unidos. A NSF, por exemplo, anunciou que as tecnologias em nano escala deverão movimentar cerca de um trilhão de dólares dentro de seis ou sete anos e serão responsáveis por uma verdadeira revolução em todos os setores da indústria.

O grande número de pedidos de patentes somado à inabilidade do escritório de patentes norte-americano para lidar com a situação resulta num panorama caótico e fragmentado de propriedade intelectual. Nesse cenário desordenado desenhado pelo ETC Group, estima-se que somente dois por cento das patentes analisadas acabem por gerar mais lucro do que o custo de se obtê-las.

O aparente paradoxo das patentes não lucrativas deve-se, segundo o relatório, ao papel estratégico que o patenteamento desempenha nessa área, já que é por meio dele que se poderá decidir quem irá capturar esse mercado, ou quem terá acesso a essa tecnologia, e a qual preço. "Está em jogo o controle sobre as inovações que se estendem a múltiplos setores industriais, desde eletrônicos, mineração e defesa até novos materiais, fármacos e agricultura", afirma o relatório.

A competição já está sendo direcionada pelos grupos e países que detêm patentes e condições financeiras para disputar as batalhas judiciais que devem marcar os próximos anos. Para o ETC Group, serão os maiores empreendimentos (e não os mais inovadores) que deverão prevalecer. "Os melhores advogados ou a maior capacidade de superar os riscos é que ganha, mais do que melhores cientistas e idéias mais valiosas. Grandes empresas que se sentirem ameaçadas no mercado poderão extinguir alguns adversários somente por iniciar batalhas judiciais longas sobre patentes", diz o relatório.

O ETC Group critica não apenas o excesso de patentes concedidas como também o fato de serem muito amplas e precoces, ocasionando assim a sobreposição de registros ou o patenteamento de idéias consideradas básicas ou fundamentais, o que restringe as possibilidades de novas pesquisas.O relatório identifica, por exemplo, pelo menos 10 patentes-chave que foram concedidas para universidades e que podem influenciar o desenvolvimento da nanotecnologia. Entre essas patentes estão aquelas de nano cristais semicondutores que englobam classes inteiras da tabela periódica.

Outro problema identificado pelo ETC Group é o que classificam como biopirataria. Sob este rótulo está o pesquisador chinês Yang Mengjum, que é o maior possuidor individual de patentes nanotecnológicas no mundo: ele já possui mais de 900 patentes de versões de plantas medicinais chinesas em nano escala. De acordo com o relatório, Mengjum está reduzindo ervas medicinais chinesas antigas a formulações em nano escala, e solicitando monopólio exclusivo sobre tais formulações ou sobre os processos utilizados para obtê-las. Patentes similares têm sido conferidas nos EUA e na Europa.
Essa é uma das questões apontadas pelo relatório que mais interessam aos países em desenvolvimento e possuidores de grande biodiversidade, pois as patentes de plantas medicinais em nano escala estão fornecendo a possibilidade de monopolizar recursos e conhecimentos tradicionais, dando seqüência ao que já foi iniciado com a biotecnologia.

Em sua conclusão, o relatório apresenta seis recomendações, em especial para os países em desenvolvimento e para instituições e organizações multilaterais. Para a Convenção sobre Diversidade Biológica, a Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad, sigla em inglês) e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, sigla em inglês), o relatório recomenda uma análise criteriosa das implicações da nanotecnologia para o chamado Terceiro Mundo e para o acesso a elementos da natureza. Aos governos de países pobres ou em desenvolvimento recomenda a suspensão do fornecimento de patentes equivalentes à classificação 977 (estipulada pelo escritório norte-americano de patentes) até que uma avaliação completa de seus impactos seja feita. Esses governos devem, na opinião do ETC Group, determinar até que ponto tais patentes comprometem o acesso aos elementos básicos da natureza ou contrariam a legislação nacional e os acordos internacionais como os da Organização Mundial de Comércio.

A publicação do relatório do ETC Group, no dia 16 de junho, marcou os 25 anos da decisão da Suprema Corte de Justiça dos Estados Unidos, que considerou a bactéria que degrada petróleo um produto da invenção humana e, portanto, patenteável. Essa decisão abriu um precedente inédito para futuras possibilidades de patenteamento na área biotecnológica.

Acesse aqui o relatório integral do ETC Group aqui.

ComCiência, Internet, 25-7-05

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