Brasil: transgênicos: uma voz isolada no governo
Marina Silva: “a produção e venda de transgênicos vão gerar sério desequilíbrio no processo de tomada de decisão sobre OGMS”
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, divulgou ontem nota atacando o projeto de Lei de Biossegurança, aprovado ontem (02) pela Câmara. Ela afirma que as novas regras para a produção de transgênicos oferecem “potencial risco ambiental”. Na nota, o ministério diz que as atribuições concedidas à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que terá poder de dispensar licenciamento ambiental para a produção e venda de transgênicos, vão gerar “sério desequilíbrio no processo de tomada de decisão a respeito de OGMs (Organismos Geneticamente Modificados)”.
Fontes do Palácio do Planalto informaram que a nota não reflete a posição do governo, que apoiou o projeto votado. Segundo as fontes, a ministra ficou isolada e magoada, mas continua merecendo a confiança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em posição oposta, o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, comemorou a aprovação do texto, que segue para sanção presidencial. “O intere sse do Ministério da Agricultura é que haja uma lei definitiva que regule de uma vez por todas o assunto (transgênicos) e acabe com essa discussão que envolve problemas técnicos, de um lado, e convicções, do outro lado. Agora, é preciso regulamentar para que produtores e consumidores tenham clareza do processo”, afirmou.
Segundo a nota do Meio Ambiente, com o poder da CTNBio haverá “prejuízo das precauções necessárias para lidar com tecnologias cujas conseqüências nos ecossistemas br asileiros ainda não estão devidamente identificadas”. O documento afirma que a lei “cassa” competências do Sistema Nacional de Meio Ambiente e “relega os órgãos públicos que atuam nas áreas de meio ambiente, de pecuária e agricultura, de pesca e de saúde a um papel secundário”.
Ciente da plena competência constitucional do Congresso Nacional de aprovar democraticamente as normas legais que regem o País, o Ministério do Meio Ambiente sente-se na obrigação de apontar à sociedade brasi leira os potenciais riscos ambientais envolvidos no projeto de lei aprovado”, diz a nota. “O Ministério continuará a exercer suas prerrogativas institucionais relativas à proteção e preservação do meio ambiente e à promoção do desenvolvimento sustentável, cuja premissa fundamental é a capacidade de levar em conta, nas escolhas do presente, as condições de vida a serem legadas às gerações futuras”, afirma ainda o documento.
Perspectivas antigas
A CTNBio trabalhava desde o a no passado com a perspectiva de o Congresso Nacional ampliar seus poderes. O orçamento deste ano já prevê aumento da despesas com seus assessores e um processo de informatização de seus arquivos está em franco desenvolvimento. “Recebemos com alívio a notícia. Agora, com marco legal definido, toda comunidade poderá trabalhar sem atropelos”, afirmou o secretário-executivo da CTNBio, Jairon Nascimento.
Ao mesmo tempo, sua estrutura passa a ser reforçada: em vez dos atuais 18, ela passa a ter 27 titulares e 27 suplentes. O processo de indicação dos novos integrantes será feito tão logo o projeto seja sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “O gasto com a nova formação já está previsto no orçamento. Não haverá problemas”, avaliou Nascimento.
Com a CTNBio reforçada, Nascimento parte para uma nova batalha: a “profissionalização” dos integrantes da comissão. Hoje, integrantes da CTNBio recebem a passagem e diária para as reuniões da qual participam. “É um trabalho beneditino. Eles não recebem nada, embora trabalhem muito mais do que os dois dias de reunião mensal”, justificou Nascimento. O secretário-executivo avalia que tal discussão terá de ser feita num futuro próximo.
Nascimento admite também a possibilidade de que, neste primeiro momento, com a mudança de atribuições, a CTNBio registre uma demora momentânea na avaliação dos processos. A média hoje entre a entrada de um pedido de avaliação de pesquisa e a decisão final varia entr e 90 e 120 dias. “Mas isso podemos superar rapidamente, com a informatização que começamos a desenvolver desde o ano passado”, disse.
Neste primeiro instante a comissão realiza um esforço concentrado para avaliação de pedidos de comercialização de algodão, arroz e milho geneticamente modificados. “Iniciamos este processo em setembro, depois da medida judicial que nos restituiu o poder de decisão para comercialização dos produtos”, afirmou. Todos os pareceres dados até a sanção da lei serão validados. Depois da sanção da lei, caberá ao Conselho de Ministros a decisão sobre a comercialização das sementes. “Este esforço não tem relação com a mudança das nossas atribuições. Trata-se de processos que há tempos aguardam julgamento e por isso demos a prioridade”, afirmou. Corrida por semente
A liberação da comercialização de produtos geneticamente modificados pela Câmara dos Deputados provocou uma corrida de produtores de soja do interior de São Paulo às sementes transgênicas. Embora os estados do Sul venham cultivando a soja geneticamente modificada há várias safras, no interior paulista até agora eram feitos apenas cultivos experimentais.
Se conseguir a semente transgênica, vou plantar em toda a área de soja, que dá 400 hectares”, disse o pr odutor Nelson Schreiner, de Taquarivaí, sudoeste do Estado. Ele fez contatos com fornecedores na tentativa de obter pelo menos uma parte das sementes. Na região, existe disponibilidade de sementes trazidas da Argentina. Schreiner calcula que os custos de produção vão cair, nas primeiras safras, entre 20 e 25%. “Nas safras seguintes, a redução de custo pode chegar a 30%.” A soja transgênica, segundo ele, permite o uso de herbicida com a planta em desenvolvimento e uma redução no número de pulver izações para combater doenças como a ferrugem. “Com os preços do grão nos patamares atuais e o dólar em queda, só a semente transgênica pode salvar a soja no Brasil.” Outros produtores de grãos da região ainda não se decidiram. O administrador da fazenda São Paulo, João Jacintho, vai esperar o resultado de algumas culturas experimentais para tomar a decisão do plantio. “É preciso saber quanto teremos de pagar de royalties.” A Monsanto, que detém a patente do material genético, reservou es paço em um dia de campo que se realiza na região no final do mês para divulgar seu produto.
Algodão com restrições
Produtores de algodão também vão aderir ao cultivo transgênico, embora com restrições. Segundo o secretário-executivo da Associação Paulista de Produtores de Algodão (Appa), Rogério César Ramalho Florêncio, o Brasil conseguiu um amplo mercado para seu produto no exterior justamente por produzir algodão não transgênico. “Mas as vantagens do produto geneticamen te modificado são muito grandes.”
As pulverizações contra a lagarta a maçã e outras pragas serão reduzidas à metade e os produtores irão economizar com uma capina manual, altamente onerosa, utilizando um herbicida que não afeta a planta transgênica. “A redução de custos será de 30%”, acredita. Além disso, o produto final tem mais qualidade. “A pluma do algodão transgênico fica mais limpa e com fibras melhores.” São Paulo cultivou nesta safra 74 mil hectares de algodão. Florêncio acr edita que na próxima safra ainda será cultivado o algodão tradicional. “Vamos trabalhar para que a semente do transgênico seja acessível para o produtor.”
Para o pesquisador do Instituto de Economia Agrícola (IEA) de São Paulo, Richard Dulley, os produtos transgênicos são liberados no Brasil com um grande atraso. “O futuro do agronegócio está na nanotecnologia (manipulação da matéria em nível atômico) cujas aplicações na alimentação e na agricultura são revolucionárias.” Ações serão arquivadas
A sanção da Lei de Biossegurança deverá provocar o arquivamento de uma série de processos que tramitam na Justiça questionando o uso de sementes transgênicas em safras passadas. A previsão foi feita ontem por integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Ministério Público. Em breve, as conseqüências jurídicas do projeto ficarão claras. O plenário do STF deverá apreciar uma ação direta de inconstitucionalidade (adin) movida pelo procurador-geral da República, Cla udio Fonteles, contra a lei 10.814, de dezembro de 2003, que estabeleceu as normas para plantio e comercialização da produção de soja geneticamente modificada da safra de 2004.
A expectativa que o Supremo considere que está prejudicada a adin pelo menos relativamente à parte cível, já que há uma regra segundo a qual uma lei superveniente torna sem efeito a legislação anterior. Mas Fonteles deverá defender que o tribunal julgue a ação sob o ponto de vista criminal. Ou seja, definir se era ou não constitucional o dispositivo que isentou de quaisquer punições ou responsabilidades os produtores que usaram sementes transgênicas nas safras passadas. Essa anistia penal previu a paralisação de inúmeros processos em tramitação na Justiça brasileira, inclusive contra pessoas acusadas de contrabandear sementes transgênicas de soja de outros países.
Alerta
O Ministério da Agricultura advertiu ontem que os produtores de soja transgênica terão que, até a sanção da Lei de Biossegurança, continuar assinando com o governo o Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta para legalizar o plantio da atual safra. O coordenador de Biossegurança do Ministério da Agricultura, Marcus Vinícius Coelho, disse que o governo ainda vai analisar juridicamente se a assinatura do termo continuará sendo obrigatória para a atual safra mesmo após a sanção da lei. Para as próximas safras, o plantio está legalizado pelo texto aprovado.
Correio Braziliense, Brasil, 4-3-05