Brasil: professor da UnB comenta entrevista de Walter Colli, da CNTBio

Idioma Portugués
País Brasil

“Em todos os países, até as autoridades governamentais são proibidas de ter quaisquer ligações com corporações que podem se beneficiar de suas decisões”

Leia o texto enviado por Nagib Nassar, professor titular de Genética da UnB:

”Em entrevista ao JC, o presidente da CTNBio reconduzido (e contestado pela comunidade cientifica ambientalista) declarou que a CTNBio é quem fala sobre os transgênicos e que a Anvisa não tem que aprovar nada. A Anvisa não deve se manifestar contra os transgênicos Bt.

O pior: a comunidade cientifica não deve participar de forma alguma no debate sobre os transgênicos! Resumindo: a fala do referido senhor faz com que voltemos à Idade Média, há mais de mil anos, onde ninguém podia se manifestar cientificamente sobre uma questão de interesse do cidadão e de sua saúde.

É contra a lógica, mais do que isso, é contra as leis nacionais que definiram para a Anvisa e para o Ibama o papel de proteção à saúde pública e ao meio ambiente.

Há um mês o mesmo senhor declarou que não há nenhuma ilegalidade em que membros da CTNBio sejam consultores das multinacionais das quais eles julgam a segurança de seus produtos e aprovam venda de seus transgênicos.

Ora, é um absurdo que nunca acontece em nenhum país do mundo! Mais do que isso, o referido presidente explicou: quem julga as borboletas são aqueles que as conhecem! Mal explicou! Se ele usa tais imagens em suas aulas, decerto recebe muitas risadas de seus alunos.

Gostaria perguntar e receber resposta do senhor presidente reconduzido (e contestado): ele por acaso já ouviu falar que um dos membros do departamento americano da inspeção e avaliação de segurança de medicamentos é consultor de uma corporação da qual autoriza seus medicamentos? Ele sabe se isso acontece em algum departamento de inspeção em qualquer lugar no mundo? Qual é o departamento, e em qual país? Realmente eu gostaria de saber.

Em todos os países, até as autoridades governamentais são proibidas de ter quaisquer ligações com corporações que podem se beneficiar de suas decisões. O senhor (presidente) deve ter ouvido falar sobre escândalos americanos onde as autoridades governamentais foram obrigadas a pedir demissão por causa de suspeitas neste sentido.

O senhor (presidente), que fala muito sobre ciência e segurança dos transgênicos Bt, sabe que isso é proibido em países mais evoluídos cientificamente e mais civilizados do mundo, tais como a Inglaterra, a Suíça e a França?

Somente nessa semana, e exatamente nesta quarta feira (19), o conselho francês da biossegurança declarou a moratória do transgênico MON 9 e o baniu de todo o país. Trata-se do mesmo transgênico defendido pelo referido presidente.

O conselho de biossegurança francês, que é o mais alto corpo administrativo do país, rejeitou queixa da Multinacional contra a decisão de banir do território francês sua variedade de milho transgênico Bt. É a mesma variedade que foi liberada no Brasil pela CTNBio presidida pelo referido senhor.

A Anvisa e o Ibama contestaram essa liberação dada a ausência de dados que possam confirmar sua segurança. A divergência foi resolvida (politicamente) pelo Conselho Nacional de Biossegurança, que optou pela liberação.

Um dos pontos questionados pelo Ministério do Meio Ambiente foi que a Multinacional não forneceu informações cruciais do ponto de vista da biossegurança, como a seqüência de DNA inserida e o nível da toxina produzida por diferentes partes da planta de milho.

É muito comum que os testes apresentados pelas empresas sejam feitos com a proteína nativa, como encontrada na bactéria, e não com a proteína transgênica produzida pela planta. A CTNBio se baseou nesse tipo de dado, que do ponto de vista da biossegurança não esclarece muita coisa, já que as duas proteínas são diferentes.

É engraçado que a CTNBio baseie seus critérios de biossegurança no passado sobre uma invenção artificial e errada que ninguém ouviu antes e ninguém conheça. Uma invenção criada particularmente para essa ocasião, se chama equivalência de segurança. Isto é, uma certa variedade transgênica produziu quantidade de sementes igualzinha à quantidade de semente da variedade normal, então fica bem seguro! Não importa a toxina, não importa a toxidade para humano e para meio ambiente!

Esperamos que aqueles que falam sobre progresso científico e a modernização encontrem na decisão francesa uma lição e uma aprendizagem. Isto se for a ciência seu motivo e sua preocupação!”

Jornal da Ciência , Brasil, 20-3-08

Comentarios