Brasil: o mundo patenteia a biodiversidade
Cupuaçu, açaí, andiroba, copaíba, pau-brasil, pau-rosa, sapo kampô, entre outros. Todos esses produtos já foram patenteados no mercado internacional
Se o Brasil não abrir os olhos, não mudar e agilizar sua legislação, não colocar funcionários para trabalhar e não brigar lá fora, toda a rica biodiversidade da Amazônia brasileira e de outras regiões do país será patenteada no mercado internacional. Com isso, de nada adiantarão os estados da região investirem no desenvolvimento de produtos da floresta, se não terá, no futuro, para quem vendê-los no mercado externo.
Nos últimos tempos, têm sido constantes as reportagens acerca dos prejuízos que o país vem tendo com o crescente patenteamento de produtos, animais e matérias-primas da Amazônia por empresas americanas, japonesas e dos países da Comunidade Européia.
Cálculos feitos há três anos pelo Ibama indicavam que o Brasil já amargava um prejuízo diário da ordem de US$ 16 milhões (mais de US$ 5,7 bilhões anuais) por conta da biopitarataria internacional, que leva as matérias-primas e produtos brasileiros para o exterior e os patenteia em seus países sedes, impedindo as empresas brasileiras de vendê-los lá fora e de ter de pagar royalties para importá-los em forma de produtos acabados.
Segundo informou há algum tempo o pesquisador Guilherme Maia, do museu paraense Emílio Gueldi, a lei de patente brasileira não permite o registro de um produto, como um óleo essencial ou seu aroma, e muito menos a planta fornecedora de tais produtos.
Pela legislação brasileira, para se obter o direito de usufruir dos benefícios de uma planta é necessário que se descubra ou invente um método novo de fabricar um produto a partir de um recurso natural. Isso aconteceu com a Embrapa, que patenteou o cupulate, um chocolate feito do caroço do cupuaçu. Como foi muito moroso o patenteamento desse produto no Brasil, ele foi patenteado rapidamente nos Estados Unidos, na Europa e no Japão pela empresa japonesa Asahi Foods.
Enquanto a legislação brasileira engatinha na defesa dos interesses nacionais, na Europa, nos Estados Unidos e no Japão, estão sendo patenteados lá fora plantas, frutos e óleos. “Fora do Brasil, tudo pode, até mesmo patentear produtos de outros países”, destaca o pesquisador do museu Emílio Goeldi.
O museu paraense detém junto com o INPA de Manaus (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) os maiores conhecimentos sobre a flora e fauna amazônicas.
Segundo o pesquisador, o arquivo do governo brasileiro para as patentes é irregular e ineficiente e a única saída para por fim na biopirataria seria fazer uma única lei mundial para esse tipo de registro. “Os países desenvolvidos, no entanto, não têm interesse porque eles ganham muito dinheiro patenteando produtos. Esse trabalho para eles virou rotina”, destacou o pesquisador.
A realidade mostra que registrar patente no Brasil ainda é um processo lento, burocrático e arcaico. O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), que cuida do assunto, funciona com estrutura deficiente, pois tinha em 2004 pouco mais de 500 servidores para analisar 24 mil pedidos de patentes por ano. Há 10 anos, o órgão contava com 860 servidores para analisar 10 mil pedidos de patentes.
Da biopirataria para as patentes milionárias
Enquanto o Brasil parece navegar ainda nas naus de Cabral na área de patentes, a biopirataria internacional trata de fornecer ao mundo desenvolvido bilhões de dólares roubados em produtos e matérias-primas das florestas brasileiras, principalmente a da Amazônia. Os US$ 16 milhões, calculados pelo Ibama como prejuízo diário do Brasil, implicaria numa receita anual para o país de mais de US$ 5,7 bilhões, dinheiro que seria suficiente, por exemplo, para recuperar toda a malha rodoviária nacional e ainda sobrar para melhorar a qualidade da educação e do atendimento de saúde de grande parte de sua população carente.
Entre os produtos genuinamente brasileiros patenteados por estrangeiros se destaca o cupuaçu, fruto comum na maioria dos estados do Norte, muito saboroso e apreciado por turistas internacionais. Do cupuaçu, se faz o suco e o sorvete, apreciados em todo o mundo. A Embrapa descobriu que as amêndoas (caroços) se transformam em um chocolate fino, mas a patente da fruta já pertence a uma empresa japonesa.
Outro fruto, muito comum no Acre, é o açaí, que é rico em ferro e muito consumido na própria Amazônia e agora em quase todas as grandes cidades brasileiras. O açaí virou moda nas academias de ginástica e era exportado pelo Brasil para todo o mundo, mas os Estados Unidos já patentearam três métodos de extrair o suco desse fruto.
A copaíba, que é uma árvore gigante típica da Amazônia e fornece um líquido oleoso de alto valor farmacêutico – usado como antiinflamatório e analgésico caseiros – teve sua patente concedida para os norte-americanos. Da mesma forma, a árvore da andiroba, que também produz um óleo de alto valor farmacêutico, foi patenteada pelos Estados Unidos para ser comercializada no mundo todo.
O que dizer, então, do cipó ayauasca ou santo daime, que nasceu no Acre e cujo poder terapêutico pode curar alguns tipos de câncer e também já foi patenteado nos Estados Unidos, que estão estudando o seu verdadeiro poder farmacológico?
Entre os tesouros amazônicos, caçados pelos biopiratas internacionais e vendidos para os países ricos, também está o sapo Kampô ou sapo-verde, muito comum no Vale do Juruá, no Acre. Trata-se do maior sapo verde do Brasil, que predomina em quase toda a Amazônia Ocidental, além de existir nas florestas da Bolívia, Colômbia e da Venezuela. Das costas e de outras partes do corpo do pequeno sapo-verde é extraído uma substância usada em remédios caseiros e como uma espécie de vacina pelos índios do Juruá para tirar o panema (azar). O sapo já foi patenteado por vários laboratórios tanto nos Estados Unidos quanto na Europa e no Japão. O deputado federal Henrique Afonso (PT-AC), idealizador do projeto da Universidade da Floresta, que está sendo construída em Cruzeiro do Sul (AC) promoveu dentro do Congresso Nacional uma campanha para denunciar a biopirataria do cupuaçu, do sapo kambô e de outros vegetais e animais da floresta amazônica.
A acerola é outro fruto genuinamente brasileiro, que tem 100 vezes mais vitamina C do que uma laranja, mas já teve sua patente registrada no Japão. O pau-rosa, outra árvore amazônica e brasileira, produz uma substância que é excelente fixador de perfumes, mas ela foi patenteada pela França desde 1920 para produzir o Chanel número 5, considerado o perfume mais glamoroso do mundo.
A lista se encerra com o pau-brasil, árvore que deu origem ao nome do Brasil e fornece uma madeira resistente e nobre. Dessa árvore, se extrai um valioso corante avermelhado. Uma das patentes dessa madeira, que se tornou rara no Brasil, pertence ao Canadá.