Brasil: governo reafirma opção por modelo agro

Idioma Portugués
País Brasil

O governo brasileiro anunciou a renegociação das dívidas referentes aos 2.8 milhões de contratos de crédito rural de produtores que hoje estão em dívida com o governo. Estes contratos representam um saldo devedor de R$ 75 bilhões. Boa parte dessa dívida já foi renegociada e mesmo assim não foi paga.

Com o perdão de parte dessa dívida, o governo deixará de receber R$ 9 bilhões. A atitude que deve privilegiar principalmente os grandes produtores, foi fruto da pressão da bancada ruralista no Congresso Nacional. Apesar da vitória, a bancada mostrou-se insatisfeita.

Para falar mais sobre o assunto, a Radioagência NP entrevistou o agrônomo integrante da Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil (Concrab), Pedro Christoffoli. Para ele, a decisão de Lula pela renegociação mostra entre outras coisas, a opção do governo pelo agronegócio.

Radioagência NP: Pedro. Fale sobre a renegociação. É uma opção de Lula pelo agronegócio?

Pedro Christofolli: Eu acho que há alguns elementos. O primeiro é que isso mostra um pouco a farsa que existe em relação à grandeza do agronegócio brasileiro. Você vê isso direto na imprensa, mas depois que se investiga, você pergunta, como é que um setor que está em um momento de alta de preços dos seus produtos no mercado internacional e nacional pode ter um endividamento desse tamanho? E ainda recebe esse presente de R$ 9 bilhões de perdão? Isso é uma farsa e esses fatos mostram como esse modelo produtivo do agronegócio não é sustentável. Ele é subsidiado pesadamente, destrói o meio ambiente, tem relação com trabalho escravo e mais uma série de fatores. Então, onde está esta grandeza? Perceba que o ônus recai sobre os recursos públicos.

RNP: Qual outro elemento pode ser ressaltado nisso?

P.C: É uma pena que no governo Lula esteja repetindo algo histórico no Brasil, que é a utilização e envio do dinheiro do Estado para quem tem patrimônio e, mais especificamente, para quem tem terra. Repete-se a mesma história. O governo Lula acaba dando muito dinheiro para os mais ricos. Como é o caso do setor financeiro, que é o que mais lucra no Brasil. No meio rural é a mesma coisa e, esse perdão de dívidas, da maneira como foi feito, só reforça a desigualdade existente.

RNP: Qual sua opinião sobre a renegociação da dívida para os pequenos produtores?

P.C: O governo Lula endureceu a negociação das dívidas com os pequenos produtores, e não atendeu a pauta de reivindicações deles. Mas você vê na imprensa que agora há uma renegociação da dívida de pequenos, médios e grandes. Não é isso! Os pequenos e médios estão entrando como bucha de canhão. Foi notificada a negociação com aproximadamente 1.8 milhões de pequenos produtores, quando na verdade esses nove R$ 9 bilhões vão para os grandes produtores. Poderia até ter perdoado toda a dívida desses pequenos produtores, assim seria mais justo. Mas se usa o argumento dos pequenos para dar regalias aos grandes. E ainda você vê na imprensa a bancada ruralista reclamando que não obtiveram o que queriam. Isso é uma vergonha.

RNP: O governo alega que um dos problemas para a realização da reforma agrária é dinheiro. Não é uma contradição, deixar de receber bilhões de grandes produtores, dinheiro público que poderia ser usado entre outras coisas, para realização da reforma agrária?

P.C: Sim. Esse é um dos aspectos. Uma das razões que explica o porque a reforma agrária não avança é a desestruturação do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], o não enfrentamento dos limites legais que viabilizariam a reforma agrária e os aspectos técnicos. Está nas mãos do presidente com a alteração das normas que determinam os índices de produtividade. Estes índices têm mais de trinta anos, estão defasados e o Lula não alterou isso. Agora este fator da renegociação das dívidas se soma a tudo isso. O investimento em reforma agrária é muito pequeno e poderia ser aumento. Então, o problema que envolve esta questão do dinheiro que deixa de se receber com essa renegociação está mais do que correto. A lógica dessa política é tirar da reforma agrária e dos pequenos agricultores, e dar para os grandes.

Radioagência NP, Internet, 29-5-08

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