Brasil: câmara facilita liberação de transgênicos

Idioma Portugués
País Brasil

Ruralista aproveita brecha dada pelo governo e aprova MP 327/06, que autoriza algodão da Monsanto e reduz quorum da CTNBio para liberar venda de transgênicos

PT posiciona-se contra governo e ambientalistas vão pressionar Lula.

“A Câmara está legalizando um crime”. O desabafo do deputado Sarney Filho (PV-MA) pode até soar exagerado, mas suas palavras talvez sejam as que melhor definem o que aconteceu na tarde de quarta-feira (20) em Brasília, quando o voto dos parlamentares recolocou o Brasil na contramão do mundo e a caminho de se tornar um paraíso para as empresas transnacionais que exploram os alimentos geneticamente modificados, mais conhecidos como transgênicos.

Pelo placar de 247 votos a favor e 103 contra, com duas abstenções, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou a Medida Provisória que, de uma só vez, libera a comercialização do algodão transgênico produzido pela Monsanto, reduz o quorum da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) necessário para deliberar sobre a comercialização dos transgênicos e diminui a distância mínima obrigatória que os cultivos de transgênicos devem respeitar em relação às unidades de conservação ambiental _ a chamada zona de amortecimento.

Foi uma grande vitória das empresas transnacionais de biotecnologia e dos interesses diversos (grandes produtores, empresários, etc) representados na bancada ruralista da Câmara. Começou a se desenhar quando o lobby pró-transgênicos arrancou uma primeira concessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que aceitou enviar ao Congresso uma MP para reduzir a zona de amortecimento. Em seguida, os deputados ruralistas aproveitaram a brecha para “pendurar” no relatório da MP um sem-número de emendas que versavam sobre os mais diversos temas. Daí conseguiram cacife para, nas negociações que se seguiram, manter no texto as duas emendas (a do algodão e a da CTNBio) que descaracterizam a Lei de Biossegurança.

“Ficou evidente que o que está em jogo é uma forma de acelerar a liberação dos transgênicos no Brasil”, afirma Gabriel Fernandes, que é dirigente da Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos. O socioambientalista lamenta a postura do governo, que orientou a base aliada a votar a favor do relatório elaborado pelo deputado Paulo Pimenta (PT-RS): “O governo, lamentavelmente, está jogando a favor das transnacionais de biotecnologia. Age motivado pela pressão do lobby pró-transgênicos e pela crença equivocada de que a CTNBio não libera nada”, afirma Fernandes, lembrando que a comissão deu encaminhamento a 430 processos analisados em 2006.

Assumir publicamente o acordo feito pelo Planalto, no entanto, não pareceu tarefa tão fácil assim. O líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), que também é pré-candidato à presidência da casa, sumiu do plenário e livrou-se do fardo, que sobrou para o vice-líder Beto Albuquerque (PSB-RS). Instigado pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que presidia a sessão, a manifestar a posição do governo, Albuquerque disse ao microfone um quase inaudível “sim” e depois também tratou de ir embora do plenário.

Coube à bancada do PT, na figura do líder Henrique Fontana (RS), fazer um contraponto interno à posição do governo e assumir um posicionamento claro contra a aprovação da MP 327/06. Numa intervenção elogiada pelos colegas de bancada e pelos militantes socioambientalistas, Fontana afirmou que o PT é contra a redução do quorum da CTNBio para a liberação comercial dos transgênicos: “O quorum qualificado de dois terços assegura o princípio da precaução. O PT defende a pesquisa, mas defende igualmente a cautela para autorizar a comercialização”, disse o deputado. Fontana também criticou a pressa das grandes empresas em facilitar a introdução dos transgênicos no Brasil: “O Estado precisa ser respeitado pelos interesses econômicos", afirmou, com o apoio de colegas de bancada. "Não podemos nos curvar diante da política do fato consumado”.

Pimenta transgênica

Se Henrique Fontana ficou bem na fita na visão dos colegas de bancada e dos setores contrários aos transgênicos, o mesmo não se pode dizer de outro petista gaúcho. Relator da MP 327/06, Paulo Pimenta _ que se notabilizou há dois anos pela firme atuação em favor da liberação da soja transgênica Roundup Ready, da Monsanto _ entrou de vez na lista negra das organizações que atuam em defesa do meio ambiente ao acatar em seu relatório as emendas que descaracterizam a Lei de Biossegurança: “O Pimenta cumpriu o papel que esperavam dele os ruralistas e as empresas de biotecnologia. Por isso, recebeu tantos elogios e abraços ao final da sessão”, afirma Gabriel Fernandes. O deputado João Alfredo (PSOL-CE) faz coro: “O relator é um defensor dos interesses das multinacionais”, disse.

Paulo Pimenta se defendeu dizendo que não atua em defesa das empresas, mas “tampouco aceita patrulhamento de setores que se intitulam donos do assunto e buscam desqualificar qualquer um que não pense como eles”. Em carta enviada a jornalistas, o deputado petista negou que tivesse atuado em defesa da liberação do algodão transgênico da Monsanto: “O que eu fiz foi encontrar uma solução para o impasse, pois, sem esta solução, teremos que queimar as fibras produzidas em 150 mil hectares cultivados com sementes transgênicas. O Projeto de Lei de Conversão autoriza o beneficiamento e a comercialização exclusivamente da safra de 2006 e determina claramente que os caroços e sementes do algodão colhido sejam utilizados para produção de biodiesel ou destruídos nos termos do parecer técnico 587/2006 da CTNBio. Portanto, é uma medida transitória, sem entrar no mérito dos aspectos definitivos sobre o cultivo ou não do algodão transgênico no Brasil”.

A luta continua

Agora que foi aprovada pela Câmara, a MP 327/06 seguirá para o Senado, onde poderá receber novas emendas e retornar à Câmara ou ser aprovada como está e seguir para sanção do presidente Lula. As organizações socioambientalistas não acreditam que as duas emendas polêmicas possam ser derrubadas pelos senadores: “Com o atual quadro político no Senado, nossa expectativa é que essa MP passe por lá como um foguete. Se não conseguirem aprová-la ainda esse ano, os senadores vão querer marcar a votação para assim que acabar o recesso, em fevereiro”, avalia Gabriel Fernandes.

Sendo assim, a tática dos socioambientalistas a partir de agora será pressionar diretamente Lula para que o presidente vete as emendas que liberam o algodão transgênico e reduzem o quorum da CTNBio. Para isso, o movimento conta com a ajuda do PT: “O PT votou contra o relatório do Pimenta, e isso será muito importante para convencer o governo. O Fontana fez um ótimo discurso, que mostrou que essa decisão vai contra o programa do partido e também do governo. Vamos fazer uma pressão enorme para cima do Lula”, avisa Fernandes.

Carta Maior, Internet, 21-12-06

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