Brasil: TCU cobra ação do governo para reduzir biopirataria na Amazônia
A fronteira do Brasil com a Bolívia e o Peru, onde estão situados os estados do Amazonas, Acre, Rondônia e Mato Grosso, e os aeroportos da Amazônia são os pontos mais vulneráveis para a prática da biopirataria internacional, que está levando para o exterior grande parte da riqueza natural do país, principalmente através do contrabando de animais silvestres e plantas medicinais
É o que concluiu a auditoria realizada recentemente pelo Tribunal de Contas da União (TCU) sobre o sistema de fiscalização exercido pelo governo federal para evitar o contrabando da flora e da fauna do Brasil, que saem clandestinamente do país e são patenteados no exterior.
“Sobra riqueza natural e falta combate ao contrabando de animais e plantas”, destaca o relatório da auditoria do TCU, ao considerar dificiente, frágil e ineficaz a fiscalização nos portos, aeroportos e nas fronteiras do país. Além de cobrar ações de segurança para o país, a auditoria do TCU estabelece prazos para o cumprimento das medidas.
“A situação é pior na divisa com a Bolívia e o Peru e nos aeroportos da Amazônia, que permitem, inclusive, a entrada de pragas responsáveis por grandes prejuízos à agricultura nacional. A entrada de espécies exóticas ao país provoca impactos tão graves que se constituem em ameaças à sobrevivência de outros seres. Além das conseqüências econômicas, com prejuízos, principalmente, para a agricultura”, assinala o relatório da auditoria do tribunal.
Além de apontar as falhas na fiscalização, o relatório do TCU dá prazo de 180 dias (até março de 2007) para que o governo federal faça a adequação da fiscalização nessas áreas consideradas frágeis do território nacional. Pelo que o TCU apurou, é mínima a presença do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) nos aeroportos brasileiros.
Após admitir a deficiência do Ibama, o coordenador da Divisão de Fiscalização Aeroportuária do órgão, Antônio Paulo de Paiva Ganme, ressaltou ao jornal Correio Braziliense, da capital federal, que um convênio foi firmado com a Infraero para a capacitação de pessoal na identificação de produtos de biopirataria e para a instalação de detectores de material orgânico nos equipamentos de Raios-X das esteiras dos aeroportos. “O sistema já funciona nos cinco maiores aeroportos do país e está em fase de instalação em mais oito”, disse o coordenador.
Apesar disso, o número citado pelo funcionário do Ibama está longe de se aproximar dos 66 aeroportos controlados pela Infraero em todo o país, sem contar os aeroportos que têm autorização para funcionar, mas não são supervisionados pelo governo. Outra tentativa do governo de ampliar a fiscalização contra a biopirataria internacional foi feita, também, no convênio firmado pelo Ibama com os Correios para fiscalizar as correspondências despachadas para o exterior.
Essa fiscalização, no entanto, se restringe hoje ao Estado de São Paulo, onde nos últimos três meses os flagrantes de contrabando têm sido quase que diários. Segundo o coordenador do Ibama, o contrabando mais comum é de animais peçonhentos como aranha e escorpião.
Pelos que os auditores do Tribunal de Contas da União conseguiram levantar, a ação dos biopiratas na Amazônia e em outras regiões do país tem se dado de forma muito sutil, com a maioria dos traficantes levando o material genético coletado nas próprias roupas.
Convenção internacional é ignorada
“Com mais de 10 anos de vigência, a Convenção da Diversidade Biológica prevê que o uso de recursos genéticos depende do consentimento do país provedor. Mas, para os ambientalistas, o acordo tem sido constantemente ignorado”, assinala matéria publicada ontem em destaque pelo jornal Correio Braziliense com o título “Amazônia saqueada.”
O jornal lembra que mais de 170 países são signatários do compromisso internacional assumido através da Organização das Nações Unidas (ONU). Esse compromisso inclui o reconhecimento da soberania nacional sobre a biodiversidade, a necessidade de consentimento prévio ao uso dos recursos e a repartição dos benefícios relacionados à exploração e aos conhecimentos tradicionais associados, como a sabedoria indígena e quilombola, no caso brasileiro.
A organização não-governamental Ambiente Brasil assinalou que a comprovação do contrabando fica evidente no crescente número de patentes concedidas no exterior para produtos ou processo derivados da biodiversidade brasileira. E citou levantamento preliminar do Ministério do Meio Ambiente (MMA) indicando que, depois de 1992, data do início de vigência de convenção internacional, foram concedidas um montante acima de mil patentes internacionais para 40 espécies brasileiras contrabandeadas para o exterior.
Nos últimos anos, o Brasil tem tentado reverter as patentes concedidas sobre princípios ativos extraídos do cupuaçu, da graviola, do murumuru, da copaíba e do jaborandi. O que foi patenteado antes da convenção não tem mais como ser revertido. Segundo informou o diretor de Patrimônio Genética do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Eduardo Vélez, esse é o caso do uso do veneno da cobra jararaca e da árvore amazônica pau-rosa. O Captopril, remédio anti-hipertensivo, foi elaborado a partir de princípio ativo do veneno e o famoso perfume Chanel Nº 5 contém fragrância extraída da árvore da Amazônia chamada pau-rosa.
O diretor do ministério destacou ao Correio que o combate ao contrabando de recursos genéticos é complexo para países ricos em biodiversidade. As leis nacionais regulam as normas dentro do Brasil, mas falta um marco regulatório internacional para o sistema de registro de patente fora do país. “Não existe lei internacional de proteção”, destacou Eduardo Vélez.
Segundo o diretor do MMA, o Brasil apresentou à Organização Mundial do Comércio (OMC) como antídoto para a biopirataria uma proposta de emenda ao Acordo TRIPs (Trade Related Intellectual Property Rights), que estabelece padrões de patente e propriedade. A idéia é obrigar os escritórios de patentes a exigirem autorização de origem do material a ser patenteado. Além do Brasil, o documento foi assinado pela Índia, Paquistão, Peru, Tailândia e Tanzânia.
Produtos nacionais com patentes estrangeiras
Na história da biopirataria praticada no Brasil, produtos como rapadura, cupuaçu e caipirinha já fazem parte do grande acervo de patentes que circulam hoje no mundo envolvendo nomes genuinamente brasileiros, com o país precisando brigar sempre para garantir o seu passaporte verde e amarelo.
O registro estrangeiro de marcas com nomes de produtos nacionais tem representado nos últimos anos uma grande dor de cabeça para o Ministério das Relações Exteriores.
Isto porque os sistemas de segurança são frágeis. Apesar de uma lista com a nomenclatura da biodiversidade no Brasil tentar impor limites, as autoridades brasileiras esbarram na ausência de uma legislação internacional sobre o assunto.
Entre os produtos brasileiros, o Cupuaçu é o que tem mais dado trabalho às autoridades brasileiras nos últimos anos.
A Divisão de Propriedade Intelectual do Ministério das Relações Exteriores conseguiu reverter o domínio do nome da fruta em poder de empresas nos Estados Unidos e na Europa e obteve de volta a nacionalidade do mesmo. Mas falta, ainda, quebrar outras patentes do produto. A apropriação do nome dos produtos brasileiros por outro país impede que produtos nacionais saiam do Brasil com o nome original porque o direito sobre a marca “pertence” a uma empresa estrangeira.
“Já pensou vender rapadura para o exterior e ter de colocar o nome de garapa sólida na embalagem porque rapadura é um direito alemão?”, questionou ao Correio o diretor de Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente, Eduardo Velez. O nome do doce típico do Nordeste chegou a pertencer a uma empresa na Alemanha que o registrou como domínio naquele país e nos Estados Unidos, mas a rapadura alemã não durou muito tempo. Por meio de um acordo de cavalheiros, o Itamaraty conseguiu reaver a brasilidade do produto.
Aliás, segundo o jornal braziliense, o diálogo é a primeira estratégia que o Ministério das Relações Exteriores utiliza para obter de volta a propriedade intelectual de um nome brasileiro. Geralmente, a empresa estrangeira abandona o apropriação do nome. O Japão, por exemplo, já havia registrado a marca cupuaçu também, mas devolveu o domínio em 2004.
Quando não há composição amigável para reaver o domínio do nome brasileiro, o ministério dá entrada em procedimento administrativo no país de origem do proprietário da marca. No momento, o MRE acompanha dezenas de processos de utilização de nomes brasileiros como marca estrangeira em vários países.
O processo administrativo pode ser iniciado durante ou depois do registro de apropriação da marca. As medidas seguem as leis do país de origem da empresa questionada. De acordo com o chefe da Divisão de Propriedade Intelectual do Itamaraty, Otávio Brandelli, o Brasil consegue reverter os direitos na maioria das vezes. “Nunca precisamos entrar com processo judicial nacional onde o registro foi solicitado”, explica Brandelli.
A falta de um marco regulatório internacional deixa o produto nacional mais vulnerável ao seqüestro do nome. A lei de combate à biopirataria não trata da apropriação de nome de planta ou animal tradicionais da fauna e da flora brasileira. Para evitar o uso estrangeiro de denominações do Brasil, o país preparou uma lista de nomes associados à biodiversidade brasileira. São mais de três mil registros científicos e cinco mil genéricos.
Mas há casos que fogem à regra de “clonagem” de nomes. Tem empresa estrangeira usando caipirinha e açaí compostos com outro nome como estratégia para fugir do questionamento de propriedade. “Na Inglaterra existe um produto chamado Açaí-Power. A marca não pode ser questionada, mas o nome da fruta não pode ser usado de forma isolada”, informou Otávio Brandelli.