Avícolas no Brasil. Tempos modernos, tempos de massacre
Barros, jornalista e pesquisador acadêmico, faz parte da ONG Repórter Brasil, que realizou o documentário "Carne e Osso", onde é mostrado o sofrimento diário de milhares de trabalhadores e trabalhadoras no setor de processamento de carne.
-O documentário Carne e Osso se tornou uma fantástica ferramenta de denúncia, além de ter sido premiado em vários festivais.
-É verdade. Carne e Osso é uma produção da Repórter Brasil, uma ONG com sede em São Paulo, composta por jornalistas, que trabalham há mais de uma década identificando e tornando públicas as situações que lesionam os direitos humanos e o meio ambiente. Outra área de atuação está relacionada com as condições penosas de trabalho e o trabalho escravo.
Quanto aos festivais, recebemos o Prêmio de Melhor Documentário no 15º Florianópolis Audiovisual Mercosul(FAM). Participamos da 54ª edição do DOK Leipzig, na Alemanha, recebendo uma menção honrosa da Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho. Também participamos do 39º Festival de Cinema de Gramado, no Rio Grande do Sul, e do festival É Tudo Verdade, um festival de documentários muito importante, organizado em São Paulo.
-Como vocês tomaram conhecimento da situação de trabalho frenético e precário nos frigoríficos?
-Nós acompanhamos a atuação do Ministério Público do Trabalho, as constantes denúncias que vêm sendo feitas, e entramos em contato com vários sindicatos.
Identificada essa realidade de contínuos maus-tratos aos trabalhadores, decidimos fazer o documentário. Assim nasceu Carne e Osso, um trabalho que tem sido muito bem aceito e que participou de festivais no Brasil e no exterior. Estamos, atualmente, levando a cabo uma estratégia para que o filme chegue ao maior número de pessoas possível, tanto no Brasil como no exterior, porque a situação penosa mostrada em Carne e Osso é ignorada pela maioria das pessoas.
-Qual foi sua participação no documentário?
-Eu sou um dos diretores. Além de realizar as entrevistas, também participei da pesquisa de campo, fiz os contatos preliminares com as testemunhas, porque o filme mostra a história de vida dos trabalhadores e conta com a colaboração de promotores, médicos, pesquisadores que fornecem argumentos qualificados e bem fundamentados.
A idéia era justamente não fazer uma denúncia panfletária ou vazia, mas um filme bem ancorado sobre a situação degradante de trabalho nos frigoríficos, com uma crítica realmente muito bem construída e que não deixasse dúvidas de que o problema existe. O objetivo não era lançar uma crítica no ar e, por isso, o filme convence. Porque está apoiado por muitas autoridades, pessoas que têm legitimidade devido às suas pesquisas, aos seus argumentos e aos cargos que ocupam.
-Você pode selecionar uma cena, um momento do documentário, mais impactante para você?
-A entrevista da Vaidilene, uma ex-trabalhadora. Foi muito forte, porque narra uma situação extrema de uma forma muito emotiva e dolorosa.
Eu a entrevistei e passei um dia inteiro com ela, no seu ambiente familiar, sentindo a sua dor, vendo sua mão e os seus dedos atrofiados, seu sofrimento genuíno. Esta é a razão pela qual ela encerra o documentário.
-Qual é a reação do público?
-De indignação, de muita indignação. E a partir desse sentimento é que as pessoas começam a perguntar, a querer saber e a questionar um modelo de produção no qual o trabalhador não é considerado.
Muitas pessoas se colocam no lugar desses trabalhadores e trabalhadoras e fazem comparações com o seu próprio trabalho, que pode não ter a intensidade nem a insalubridade de um frigorífico, mas que de alguma forma reflete o desrespeito aos direitos humanos, onde as pessoas são vistas como uma coisa, uma peça que é trocada por outra.
-No Festival de Cinema de Gramado contaram com um apoio publicitário inesperado: o grande frango da CONTAC empurrando uma cadeira de rodas com uma trabalhadora lesionada.
-Na verdade, o "Frango da CONTAC" já tinha participado do lançamento do documentário em São Paulo. E de fato, ele é um grande aliado para a promoção de nosso trabalho e a sensibilização das pessoas sobre a problemática.
-Como você avalia a estratégia de articular capacidades entre a Repórter Brasil, a CONTAC e a Rel-UITA, para a divulgação mundial do documentário?
-Como muito positiva. Na verdade, desde o início, quando lançamos esse documentário a ideia era esta: que o filme, além de ser um produto cinematográfico, cumprisse a função político-social de provocar um grande debate e contribuir para o desenvolvimento de políticas públicas visando a sanar a situação que denunciamos.
Na minha opinião, estarmos vinculados à Rel-UITA e à CONTAC é muito importante para difundir, em todo o mundo, esta realidade que acontece no Brasil.