O ataque dos transgênicos no Brasil
Este ano a agricultura brasileira terá, pela primeira vez, a comercialização legalizada de sementes de soja geneticamente modificada: a Soja RR, patenteada pela Monsanto
As primeiras autorizações para o plantio foram dadas pelo Governo, através de medidas provisórias, para agricultores e agricultoras que tinham adquirido ilegalmente as sementes para o plantio em 2003 e 2004. Este comércio ilegal começou entre 1997/98, especialmente no Rio Grande do Sul, e fez parte da estratégia das empresas de biotecnologia para pressionar a legalização de seus produtos, independente da realização de pesquisas e de qualquer diálogo com a sociedade. Foi esta estratégia, o lobby da empresas junto a setores do governo e uma campanha de desinformação da sociedade o que está garantindo a abertura legal dos transgênicos no Brasil.
A Lei de Biossegurança
Depois de muita disputa foi aprovada a Lei de Biossegurança nº 11.105/2005, que regulamenta como será a liberação das sementes transgênicas no meio ambiente. A lei pode ser considerada, em muitos pontos, uma batalha perdida pelos movimentos camponeses e ambientalistas do país, que tem como mote uma campanha radical de um “Brasil livre de transgênicos e sem agrotóxicos”. A partir de então a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), formada por 27 cientistas sem nenhuma ligação com a sociedade civil organizada, assumiu o controle total das decisões sobre transgênicos. Até mesmo os Ministérios do Meio Ambiente, Agricultura e da Saúde estão impedidos de exigir estudos sobre a segurança dos organismos geneticamente modificados. Caso discordem da decisão da CTNBio, os Ministérios podem oferecer recursos ao Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), formado por 11 ministros. Logo após a aprovação desta Lei, o Procurador Geral da República entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN). Isto Significa que há chances do Poder Judiciário anular várias disposições desta Lei, tornando novamente ilegal o cultivo de sementes geneticamente modificadas.
Além de tirar das mãos do Estado e da própria população a discussão sobre a liberação de qualquer produto transgênico, a Lei de Biossegurança tem outras conseqüências desastrosas. Ela impede, por exemplo, que o Ministério da Saúde analise a segurança de medicamentos transgênicos; e desrespeita a Constituição, que estabelece a obrigação de Estudos de Impacto Ambiental. Outro entre os mais graves problemas da Lei é a fragilidade dos mecanismos de proteção contra a contaminação em cultivos convencionais ou orgânicos. É praticamente impossível controlar a forma de reprodução das plantas: o vento, os insetos, pássaros, a água da chuva fazem com que o pólen de uma planta atinja outras localizadas a muitos quilômetros de distância. Desta forma, agricultores/as que decidiram não plantar sementes transgênicas podem ter sua lavoura contaminada por plantações vizinhas.
Agravando a situação: contaminação e patentes
A contaminação é especialmente perigosa nas plantas de polinização cruzada, como algodão e milho. Já em 2005, a CTNBio deu um parecer favorável ao plantio de algodão geneticamente modificado em algumas regiões do Brasil. Para se ter uma idéia do problema, na Índia, onde o plantio de algodão transgênico tinha sido liberado, o governo decidiu banir novamente este tipo de plantio por causa dos grandes prejuízos da agricultura. Também o plantio de milho transgênico está preste a ser liberado no Brasil e outros países da América Latina. Os movimentos sociais alertam para a possibilidade de perda de diversidade neste que é um cultivo milenar das populações indígenas. Mesmo a soja, que se “auto fecunda”, possui alguma polinização e pode ser contaminada. As conseqüências são inúmeras. Além da perda de biodiversidade e variedade de sementes, o agricultor ou agricultora podem ter sérios prejuízos, já que os transgênicos tem um preço menor no mercado. Também podem ser processados/as e obrigados/as a pagar royalties à empresa que possui a patente das sementes.
Os royalties são a palavra-chave para o interesse das empresas de biotecnologia na liberação dos transgênicos. Apenas seis empresas (Cargill, Monsanto, DuPont, Syngenta, Bunge e Bayer) dominam 99% do mercado de sementes transgênicas. É importante salientar que a transgenia é diferente do processo de melhoramento que a agricultura tem realizado em todo mundo, há milênios. Agricultores e agricultoras escolhem as melhores plantas para retirar sementes e mudas, promovem o cruzamento entre plantas com características diferentes para melhor adaptá-las em ambientes diferentes ou a determinadas necessidades. Este conhecimento e suas técnicas foram transmitidos por muitas gerações, através de culturas tradicionais (camponesas, indígenas, etc.). São estas mesmas sementes, desenvolvidas pela humanidade, que as empresas utilizam para produzir os transgênicos, através de um processo caro, que só pode ser feito em laboratórios e cujo conhecimento é restrito: quem planta, não sabe o que está plantando. Tampouco quem come.
Antigamente as leis brasileiras, como em muitos outros países, não permitiam o patenteamento de seres vivos. Mas a Lei nº 9.279, de 1997, permitiu o registro de patentes sobre medicamentos, produtos alimentares e processos da biotecnologia. As sementes transgênicas são consideradas uma invenção, por isso elas podem ser patenteadas. Enquanto a maior parte do cultivo era ilegal, a Monsanto, por exemplo, não cobrou royalties dos agricultores e agricultoras. Ao mesmo tempo, vendeu a um preço muito baixo o herbicida Roundup. Já em 2003, a Monsanto começou a estabelecer um sistema de cobrança que a partir de 2005 foi estendido a todo o país. Trata-se de uma tática muito parecida com a do traficante, que distribui as drogas para depois lucrar com o vício.
O Exterminador e a Lei de Proteção aos Cultivares No Brasil, desde 1997 é possível cobrar royalties com a venda de sementes melhoradas – não transgênicas - desenvolvidas por empresas. Isto foi permitido através da Lei de Proteção aos Cultivares que, ao contrário da Lei de Patentes, garante o direito do agricultor e da agricultora a reservar uma parte de sua colheita para uma futura semeadura, sem necessidade de prévia autorização ou pagamento. A Lei também reconhece a “isenção do melhorista”, admitindo a livre utilização da semente melhorada para a pesquisa e o desenvolvimento de outras variações, que podem ser doadas ou trocadas entre pequenas produções. Tanto a Lei de Proteção aos Cultivares quanto a Lei de Patentes significaram, naquele momento, um grande aumento do poder das empresas sobre a produção. Mas hoje elas querem mais.
Um dos pontos críticos da Convenção de Diversidade Biológica (os encontros chamados de MOP3 e COP8) será a manutenção ou não da moratória mundial ao uso de GURT’S, as tecnologias de restrição de uso genético. Estas tecnologias são uma forma ainda mais ofensiva de controlar a produção de alimentos, pois produzem sementes cujas plantas produzem apenas grãos estéreis, que não germinam. Um destes processos coloca na semente um gen chamado “terminador” (em português, exterminador). As empresas Syngenta, DuPont, Basf, Monsanto e Delta & Pine Land possuem patentes sobre a tecnologia “terminator”. Com este tipo de semente, quem planta é obrigado/a a comprar sementes em todas as épocas de plantio, sempre pagando royalties para as empresas. Existe um Projeto de Lei da deputada Kátia Abreu (PFL), que pretende autorizar a utilização desta tecnologia.
O mito da produtividade
Um dos principais argumentos da propaganda a favor dos transgênicos é a produtividade. Empresas investem milhões para (des)informar a população de que as sementes geneticamente modificadas vem para aumentar a quantidade de alimentos e resolver o problema da fome. A verdade, no entanto, tem se mostrado bem diferente.
Na Argentina, o rendimento da produção de soja transgênica é igual e em alguns casos menor que o da soja convencional. Neste país, a produção geneticamente modificada não melhorou a vida das populações pobres, nem impediu as crises sociais que culminaram em altos índices de desemprego e na queda de três presidentes, até 2001. Nas pesquisas realizadas em Cruz Alta (RS) pela Fundacep, a produtividade de todas as variedades de soja transgênica se revelou 13% menor do que as convencionais. Durante o período de seca que castigou o sul do Brasil no início de 2005, um produtor de Capão Grande (RS) estava plantando uma parte da lavoura transgênica e outra convencional. Ele calcula que a produtividade da soja transgênica foi até 10% menor, segundo matéria publicada na Gazeta Mercantil, em 10 de março de 2005. Também a lucratividade das variedades convencionais de soja é maior, podendo alcançar taxas até 50% melhores no cultivo reconhecidamente orgânico.
Áreas livres de transgênicos
Apesar da forte invasão dos transgênicos, algumas disputas foram ganhas no sentido de garantir a segurança alimentar e a biodiversidade do Brasil. A Lei 10.814/2003 proíbe o plantio de transgênicos nas Unidades de Conservação e suas zonas de amortecimento (parques, florestas nacionais), nas terras indígenas, áreas de proteção de mananciais de água e nas áreas declaradas pelo Ministério do Meio Ambiente como prioritárias para a conservação da Biodiversidade. Recentemente, o IBAMA embargou seis lavouras de soja transgênica na faixa de 10 km do Parque Nacional do Iguaçu, na região oeste do Paraná.
A mesma lei permite que Governadores de Estado solicitem ao Ministro da Agricultura que seus estados tornem-se “Áreas Livres de Transgênicos”. Porém, no mesmo estado do Paraná, o Governador Roberto Requião tem enfrentado enorme resistência para garantir este direito. A União negou o pedido, alegando que a medida causaria prejuízos para a economia. O grande trunfo do Estado tem sido manter o porto de Paranaguá – um dos maiores do mundo – transportando apenas variedades convencionais.
Fuente: Terra de Direitos