Agrotóxicos no Brasil: para não liberar geral
A fim de deter a liberalização da importação de agrotóxicos dos países do Mercosul, 54 organizações e movimentos sociais assinaram uma carta-protesto e desencadearam, desde agosto, uma enxurrada de correspondências aos endereços eletrônicos dos ministérios, conselhos e agências reguladoras do Governo Federal, assim como ao Senado, à Câmara e ao Ministério Público
A tentativa de liberalização das importações é fruto de um acordo entre os ruralistas e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), após a manifestação da classe, realizada em junho, em Brasília (DF), que ficou conhecida como “tratoraço”.
De acordo com Rogério Tomaz Jr., da Associação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos (Abrandh), o Ministério da Agricultura tentou viabilizar a adoção de medidas que flexibilizam a importação desses produtos, ou seja, a alteração do Decreto nº 4.074/02, que trata da regulamentação dos agrotóxicos no país e contou com a participação da sociedade civil durante sua elaboração. A Medida Provisória liberaria a importação de defensivos, a flexibilização dos registros dos princípios ativos para a produção de insumos e a regulamentação de agroquímicos genéricos.
O assessor técnico da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), Gabriel B.Fernandes, explica que a conseqüência mais direta dessa liberalização seria a entrada no país de produtos que não seriam aprovados por suas atuais normas, que levam em consideração características agronômicas dos produtos e efeitos sobre o meio ambiente e a saúde do consumidor e das pessoas que manuseiam e aplicam esses produtos nas lavouras. “Essa proposta surge da vontade dos grandes fazendeiros no Brasil de comprar produtos mais baratos. As supostas vantagens econômicas nem de longe compensam as demais implicações que a importação de ‘genéricos’ pode trazer”, conclui Gabriel.
Outro ponto também questionado pela campanha é a centralização da avaliação e do registro dos produtos agrotóxicos em um único órgão. Apenas o Mapa seria responsável pelo processo. Atualmente, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), representando o Ministério do Meio Ambiente, e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Ministério da Saúde, também participam da fiscalização, compondo, com o Mapa, o Comitê Técnico de Assessoramento para Agrotóxicos (CTA). A idéia seria extinguir o CTA.
Para Gabriel Fernandes, da AS-PTA, a proposta de extinção do CTA deve ser refutada, “pois representaria um retrocesso nas atuais regras”. Ao tornar o Mapa o único ministério responsável pelo registro desses produtos, segundo ele, somente os interesses do agronegócio seriam atendidos enquanto as implicações que os agrotóxicos têm sobre a saúde do trabalhador rural, do consumidor e sobre o meio ambiente estariam sendo minimizadas. “Mas como o atual governo optou pelo agronegócio, essa proposta pode ganhar força. É necessário que a sociedade continue acompanhando essa discussão”, alerta Gabriel.
As entidades podem se informar e difundir os textos, posicionamentos e ações da campanha junto aos seus públicos como forma de expandir a iniciativa e deixar a sociedade civil a par dos acontecimentos. “É uma campanha, acima de tudo, de defesa e promoção dos direitos humanos. Não se trata meramente de uma questão técnica ou econômica. Estamos falando de meio ambiente, de saúde, de biodiversidade, de diversidade cultural, de defesa da soberania alimentar e de outros temas importantes”, destaca Rogério, da Abrandh.
“Saltam aos olhos os problemas de saúde em agricultores, sobretudo os familiares, que lidam com agrotóxicos. São milhares os casos de intoxicação, que vão de náuseas, vômitos e fortes dores de cabeça a problemas crônicos de disfunções neurológicas, câncer e suicídio”, completa Gabriel.
A Campanha vai prosseguir agora com ações junto a parlamentares da Câmara e Senado, para que a ação dos ruralistas não passe pelo Congresso Nacional sem resistência. O Ministério Público Federal e os Conselhos Nacionais do Meio Ambiente, de Saúde e de Segurança Alimentar e Nutricional também foram acionados. As propostas de alteração do Decreto nº 4.074/02 representam uma ameaça à saúde, ao meio ambiente e aos direitos humanos, fato esse respaldado por uma nota técnica da Anvisa, que alerta para o perigo decorrente do aumento do uso indiscriminado dos agrotóxicos.
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Fonte: Revista do Terceiro Setor - RETS