Sementes, uma questão política

Os recursos genéticos vegetais, uma herança comum de toda a humanidade há mais de 10.000 anos, foram sendo transformados, gradual e crescentemente, a partir do início do século XX, em propriedade de um reduzido grupo de empresas privadas norte-americanas e européias

Se outrora as sementes constituíam um acervo comunitário e cultural dos povos camponeses e indígenas de todo o mundo, cuja obtenção, guarda e reprodução eram muitas vezes mediados pelo sagrado e tinham na partilha desse bem comum um valor material e simbólico que as tornavam sinônimos da vida, contemporaneamente as sementes transformaram-se em mercadorias, em objetos de negócios cujo objetivo precípuo é o lucro através da exploração e submissão dos produtores rurais de todo o mundo, não por potências estrangeiras, mas por corporações privadas capitalistas de âmbito multinacional.

Essa apropriação privada oligopolista da geração, reprodução e distribuição de novas variedades de sementes pelas empresas privadas multinacionais, assim como o controle da oferta dos insumos que elas requerem, vêm submetendo os povos de todo mundo a uma tirania de novo tipo. Por um lado, essa tirania determina o que os produtores rurais poderão produzir através do direcionamento da maior parte das políticas públicas para a agricultura e do domínio do mercado de sementes; por outro lado, pela manipulação da opinião pública através dos meios de comunicação de massa e do direcionamento da oferta de bens alimentares, dispõe sobre o que a população deverá consumir.

Essa tirania de novo tipo torna a oferta mundial de sementes híbridas e transgênicas numa questão política.

As lutas para a superação dessa tirania são devidas não apenas à necessária superação desse tipo de oligopólio crescente sobre a produção e o consumo de produtos alimentares (e das fibras e dos produtos farmacêuticos cujos princípios ativos são de origem vegetal) que tornam cativos os povos perante os interesses econômicos de algumas dezenas de megaempresas que controlam a agricultura mundial. Mas, também, pelas conseqüências biocidas que esse oligopólio das sementes provoca ao contribuir diretamente para destruir a biodiversidade mundial pela redução da variabilidade dos germoplasmas, pelo estreitamento da base genética e pela extinção de espécies vegetais. Dez por cento das espécies de plantas no mundo estão consideradas agora "em perigo". Cada planta que desaparece pode implicar no desaparecimento de 10 a 30 espécies de animais ou insetos, direta ou indiretamente dependentes delas.[1]

Um exemplo singular dessa perda da diversidade pela erosão genética pode ser ilustrado pela drástica redução da oferta de variedades de sementes para a produção de arroz na Índia. Segundo o professor H. K. Jain, diretor o Instituto de Pesquisa sobre Agricultura da Índia, de umas 330.000 variedades diferenciadas de arroz que se cultivavam há 50 anos em seu país ficarão somente umas 50 variedades para o ano 2.000. Tudo isso devido ao moderno processo e melhoria das sementes. A esta situação soma-se a estimativa de que apenas 10 destas 50 variedades ocuparão as três quartas partes da área destinada ao cultivo de arroz na Índia.[2]

São três as causas principais da tirania econômica, social e política determinada pelo monopólio mundial das sementes.

A primeira causa foi o crescente desenvolvimento dos métodos e técnicas de melhoramento de plantas pelas empresas privadas que permitiu a produção de uma ampla gama de tipos de sementes congênitas, híbridas, sintéticas e, contemporaneamente, de organismos geneticamente modificados (OGM) pela engenharia genética. Os novos conhecimentos e tecnologias de melhoramento de plantas induziram as empresas privadas a pressionarem os poderes legislativos da maior parte dos paises do mundo para a promulgação de legislação que garantisse os direitos dos melhoristas e o patenteamento dos seus produtos. Essa legislação que dispõe sobre o sistema de patentes e direitos de propriedade intelectual foi imposta aos governos dos países do denominado terceiro mundo pelos grandes grupos econômicos internacionais, em particular aqueles relacionados com a indústria da área da química.

Um exemplo histórico correlato a esse tipo de imposição deu-se em 28 de março de 1883. Nessa data o Brasil foi signatário da Convenção de Paris que criou a União Internacional para a Proteção da Propriedade Industrial, na época sob a hegemonia dos países que detinham a tecnologia no mundo como a Inglaterra, França, Alemanha e os Estados Unidos. O Brasil, naquele ano, ainda em pleno escravismo, não possuía nenhuma universidade, enquanto os EUA já dispunham de 175 e na Inglaterra as universidades de Oxford e Cambrigde já existiam há mais de 600 anos. Mesmo assim, o governo brasileiro predispôs-se a assinar tal convenção. Portanto, não é de se estranhar que governos servis aos interesses dos grandes grupos dominantes locais e internacionais tenham aprovado continuadamente, desde o final da segunda guerra mundial, legislação favorável ao oligopólio das sementes.

Uma segunda causa foi a retirada gradativa das instituições públicas da área da pesquisa em agricultura, sejam elas as instituições públicas especializadas sejam os centros universitários. Esse abandono intencional do papel do Estado na geração científica e tecnológica de interesse público foi conseqüência das políticas neoliberais explícitas de transformação da ciência e tecnologia na agricultura em negócio, tendo como resultado a geração de conhecimentos e de descobertas que favorecessem apenas a acumulação capitalista das corporações privadas. A retirada dos investimentos governamentais para a produção científica e tecnológica na agricultura deu-se através de formas diretas e indiretas tais como:

. a redução dos orçamentos públicos para a pesquisa na agricultura;

. o fechamento de centro de pesquisa ou a redução drástica do seu pessoal;

. a realização de acordos e convênios entre as instituições governamentais com empresas privadas para a realização de pesquisas, tendo em vista os financiamentos efetivados pelas empresas;

. o amplo e continuado processo de formação de pessoal no exterior em universidades altamente dependentes de financiamentos privados, com a conseqüente ideologização da pesquisa a partir dos interesses das empresas privadas;

. a cooptação de pesquisadores pelas fundações e empresas privadas através de bolsas de estudos avançados, de créditos para a pesquisa, de viagens para o exterior para a participação em simpósios, congressos e encontros, de participação comercial pela venda dos produtos gerados;

. as pressões econômicas, políticas e ideológicas (os "loobies") sobre os parlamentares e os dirigentes do Pode Executivo para a aprovação de legislação favorável aos interesses da privatização da pesquisa na agricultura e a redução dos orçamentos para a pesquisa e para a formação avançada de pessoal das instituições públicas;

. a politização alienada de grande parte dos pesquisadores na agricultura para, em nome da ciência, aceitarem a hegemonia dos interesses privados na geração de conhecimentos e a transformação do saber em "capital".

Os governos brasileiros desde a ditadura militarista (1964-1984) apoiaram explicitamente essas iniciativas, seja através da política de subsídios agrícolas que favoreciam a introdução massiva de novos cultivares e de sementes híbridas geradas pelas empresas privadas e dependentes dos insumos químicos industriais como os fertilizantes e os agrotóxicos, seja pela criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa e da Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural - Embrater, políticas e instituições essas que atuaram como orgânicas à consolidação dessas mudanças tecnológicas induzidas pelo capital multinacional. Ainda que a Embrapa e a Embrater circunstancial e esporadicamente tenham desenvolvido e difundido tecnológicas compatíveis com os interesses econômicos e sociais dos agricultores familiares, esses esforços foram insignificantes em face dos seus compromissos com a implantação da denominada "revolução verde" e com os interesses dos grupos econômicos que configuram o setor de agronegócios da economia do país.

Na década de 70 os setores intelectuais críticos à presença indiscriminada dos investimentos estrangeiros no país já estavam enfrentando as ofensivas políticas das empresas multinacionais no Brasil para o patenteamento de novas variedades de sementes. As diversas tentativas de aprovação da então Lei de Proteção de Cultivares já denotavam que havia se iniciado o ciclo, no Brasil, da inteira dependência da agricultura e da agroindústria ao capital privado multinacional. Esse projeto de lei dos cultivares foi elaborado por uma comissão cujo presidente era o diretor, no Brasil, da International Plant Breeders, tendo sido constituída dentro da Associação Brasileira de Produtores de Sementes - Abrasem, cujo presidente, Nei Bittencourt de Araújo, era superintendente da Agroceres, companhia responsável pelo maior volume de vendas de sementes híbridas no Brasil. A posição da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agro-Pecuária) favorável à lei parece ter ficado clara na carta-resposta de 03/12/76 à Abrasem, onde estaria escrito que: "a posição oficial da Embrapa é a de que a lei é necessária e que deve ser adotada tão logo sejam tomadas providências necessárias à sua aprovação[3]". Projeto sobre essa matéria só foi aprovado na década passada, agora sob a pressão explícita dos interesses multinacionais, estes mediados e apoiados pelo governo do país.[4]

A Rodada do milênio, iniciada em novembro de 1999, em Seattle, nos Estados Unidos, está sendo conduzida pelas 500 megaempresas que dominam mais de 2/3 do comércio mundial (da agricultura - HMC) e seus organismos como a OMC (Organização Mundial do Comércio), a CCI (Câmara de Comércio Internacional) a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o FMI (Fundo Monetário Internacional).

Com a referida rodada, as megaempresas tentam desmantelar a soberania dos Estados Nacionais e os Direitos sociais e terem as suas "liberdades estratégicas" ampliadas para os investidores, para o fluxo de capitais e para o comércio, implantado, em definitivo (até janeiro de 2003), o ciclo de Globalização. Com isso teríamos um mundo regido inteiramente pelo "livre comércio".[5]

A terceira causa é conseqüência das duas primeiras: a perda continuada da capacidade dos camponeses de produzirem as suas próprias sementes.

O camponês era o produtor de variedades de cultivos. Cada camponês deveria produzir, selecionar e guardar as suas próprias sementes para o plantio na temporada seguinte, inclusive realizando trocas com outros grupos camponeses num processo de partilhas que lhes permitiam aumentar a diversidade genética à sua disposição. Com essa prática milenar obteve-se variedades bem adaptadas a condições específicas.

As políticas públicas ao estimularem a adoção de sementes melhoradas como as híbridas e, em alguns países, as transgênicas, portanto, sementes cujas patentes eram e são privadas, proporcionaram condições técnicas agronômicas, econômicas, políticas e ideológicas para que as sementes varietais (cultivares) dos camponeses fossem sendo eliminadas como alternativas de plantio e, portanto, de presença nos mercados. A eliminação gradual, porém continuada, das sementes "crioulas" reduziu não apenas a diversidade genética (erosão genética) como contribuiu para a perda da identidade cultural camponesa.

A humanidade convive com a diversidade botânica desde a sua origem. E, (...) seguem existindo milhares de variedades diferentes e geneticamente distintas de nossos principais cultivos alimentícios. Esses diferentes tipos foram desenvolvidos ao longo do tempo por nossos antepassados, para que crescessem em diferentes condições ecológicas e com diferentes propósitos.

Hoje, entretanto, está se perdendo grande parte dessa diversidade... Presenciamos um holocausto botânico (...)[6].

Há uma tendência universal, em função da obtenção de patentes de sementes, à uniformidade de culturas. As empresas geradoras de novas patentes de sementes híbridas e ou transgênicas são compelidas à eliminação de toda variabilidade. As variedades (cultivares) camponesas, ou mesmo aquelas obtidas pelos melhoristas das instituições públicas de pesquisa, são perdidas intencionalmente porque apresentam alta variabilidade. A tendência é para uma base genética limitada.

Do ponto de vista ideológico as propagandas das sementes híbridas, e outros tipos de sementes patenteadas, veiculadas nos meios de comunicação de massa, a insistência dos técnicos das empresas de assistência técnica, estatal e privada, para adoção dessas sementes, a coerção explícita para a aquisição de sementes híbridas através dos projetos de crédito rural subsidiado e a pressão das revendedoras de produtos agrícolas para a aquisição desse material induziram os produtores rurais e, em particular os camponeses, a aceitarem a lógica econômica da produtividade e uniformidade dos produtos agrícolas, estes de interesse das grandes corporações agroindustriais e das produtoras dessas sementes, ambas vinculadas a grupos econômicos da indústria química produtora de agrotóxicos e herbicidas. Em nome de uma suposta modernidade os camponeses foram perdendo sua identidade social.

(...) Quando se extinguem variedades tradicionais, as comunidades perdem um fragmento de sua história e sua cultura. As espécies vegetais perdem um fragmento de sua diversidade genética. As gerações futuras perdem algumas opções, e a geração presente perde a confiança em si mesma. O tipo de semente que semeia o camponês determina em grande medida suas necessidades de fertilizantes e agrotóxicos. A semente influi na necessidade do maquinário e amiúde determina qual é o mercado para a colheita... e qual é o consumidor último. As comunidades que perdem variedades tradicionais que durante séculos adaptaram-se às suas necessidades perdem controle e tornam-se dependentes para sempre de fontes externas de sementes e de produtos químicos necessários para cultiva-las e protege-las (...)[7].

A dependência econômica do camponês e dos produtores rurais em geral dos grandes grupos econômicos oligopolistas na aquisição de sementes e dos insumos por elas determinados é acompanhada de uma crescente homogeneização dos sistemas alimentares, estes induzidos pelos meios de comunicação de massa e pela limitada oferta dos produtos alimentares, ainda que travestidos de diversas formas de apresentação. (...) Apesar do amplo uso de diversas plantas feito por caçadores e coletores, a humanidade domesticou menos de 1.500 espécies sob a agricultura formal. 95% de nossas necessidades globais derivam-se só de 30 tipos de plantas e um determinante ¾ de nossa dieta baseia-se em tão somente oito cultivos (...) No final dos anos 20 um típico armazém canadense se ufanava de ter 900 produtos alimentícios diferentes. Em meados desta década (90), os varejistas predizem confiantemente que tais armazéns terão 15.000 artigos alimentícios. Um armazém tem agora 12.000, incluindo mais de 50 cereais secos para o desjejum. Entretanto quando as latas são abertas e se tira o celofane, resta-nos os mesmo 30 cultivos básicos, e 75% de nosso cereal consumido estão reduzidos a arroz, trigo e milho.[8]

Sendo as sementes uma questão política, as lutas para a superação da tirania que as megaempresas que controlam as sementes no mundo estão impondo a todos os povos, deverão ser lutas políticas. Isso quer dizer lutas para alterar a forma como a maioria dos governos de todo o mundo está tratando a questão das sementes e do meio ambiente, ou seja, considerarem as sementes como uma mercadoria e o meio ambiente como um conjunto de recursos às disposição do capital.

Na atualidade os recursos fitogenéticos se encontram numa situação delicada: por um lado, não existem dados para poder avaliar todo o processo de erosão genética que os atuais sistemas de regulação legal e comercialização de sementes estão provocando e, por outro, amadurecem ameaças ainda mais graves que as anteriores sobre a diversidade dos cultivares. Estas ameaças são as novas variedades transgênicas e sua lógica conseqüente: a autorização e regulação legal de patentes sobre organismos vivos.[9]

É emblemática a ofensiva das empresas norte-americanas de sementes transgênicas para convencer a opinião pública internacional, a do Brasil em particular e o governo brasileiro a liberarem o uso de tais sementes no intuito de contribuírem com o Programa Fome Zero de combate à fome no país apresentado no início de novembro de 2002 pelo candidato eleito à presidência da república para o período 2003 a 2006. A afinidade entre essas corporações multinacionais de biotecnologia e os organismos internacionais é por demais explícita.

(...) O discurso dos partidários da biotecnologia contra a fome envolve polêmicas sobre segurança para a saúde e para o ambiente e acesso aos mercados. Plantas como o arroz dourado, geneticamente enriquecido com caroteno (molécula que dá origem à vitamina A), têm servido como peças de propaganda da indústria, mais preocupada em ganhar mercados em países do Terceiro Mundo do que acabar com a fome.

O papel da biotecnologia na produção de alimentos está sendo escrutinado por um painel de especialistas designado pelo Banco Mundial. O grupo deve produzir um relatório no final de 2003 sobre os riscos e as oportunidades da ciência para aumentar a quantidade de comida (...)[10].

Na década de 50 já se afirmava que era necessário aumentar a produtividade agrícola para se dar conta de combater a fome no mundo. A Organização para a Alimentação e a Agricultura - FAO das Nações Unidas foi uma das instituições multilaterais que estimulou a introdução de sementes híbridas no mundo com essa finalidade. Muito ao contrário do que se previa, o aumento da produtividade na agricultura através de sementes melhoradas como as híbridas e do seu patenteamento (semente como negócio) contribuíram para a concentração da renda e da riqueza mundiais e para a exclusão social de centenas de milhões de pequenos agricultores familiares e ou comunitários em todo o mundo. Na atualidade, as empresas oligopolistas de sementes transgênicas ensaiam oportunistamente repetir fatos do passado recente da história mundial, agora apoiadas por um leque maior de poderosas organizações como a Organização Mundial do Comércio - OMC, o Fundo Monetário Internacional - FMI, o Banco Mundial e os meios de comunicação de massa.

Cinco pontos podem ser considerados como os basilares para o direcionamento das lutas contra essa tirania devida ao oligopólio das sementes em todo o mundo:

. assumirmos a responsabilidade pública de sermos contra a propriedade intelectual sobre qualquer forma de vida;

. considerarmos os recursos genéticos como um patrimônio da humanidade;

. lutarmos para que os governos decretem moratória na bioprospecção (exploração, coleção e recoleção, transporte e modificação genética) enquanto não existam mecanismos de proteção dos direitos de nossas comunidades camponesas e indígenas para prevenir e controlar a biopirataria;

. consideramos a biodiversidade como a base para garantir a soberania alimentar, como um direito fundamental e básico dos povos, posições essas que não são negociáveis;

. resgatarmos, cada um segundo suas possibilidades, e pormos em prática o plantio e a distribuição massivas das sementes "crioulas" de e em todo o mundo, como uma forma de resistência popular e de superação do modelo agrícola dominante.

Se esses pontos basilares possuem caráter estratégico da luta contra a tirania decorrente do oligopólio das sementes, do ponto de vista tático será necessário:

. um amplo esforço de esclarecimento, motivação e mobilização da opinião pública com relação a essas situações de constrangimento ou de perda de liberdade de escolha sobre o que produzir e consumir: produção e, conseqüentemente, consumo de alimentos dirigidos por grupos oligopolistas internacionais;

. as ações de denúncias e de protestos deverão dar-se a partir de movimentos de massa capazes de anunciarem à toda a população a tirania de novo tipo que está sendo exercido pelo controle privado das sementes;

. estimular e pressionar os governos para realizarem investimentos massivos diretos nas suas instituições de pesquisa e de assistência técnica e ou através de organizações populares de produtores rurais para o resgate, a geração e a reprodução massiva de sementes varietais de domínio público.

Se a concepção de mundo neoliberal quis impor ao mundo o pensamento único, as empresas multinacionais oligopolistas de sementes (integradas à indústria mundial dos alimentos) desejam definir centralmente a natureza dos alimentos a serem produzidos e consumidos; ensaiam estabelecer uma nova dieta alimentar de tendência universal construída a partir de apenas alguns produtos básicos que favoreçam os seus interesses econômicos monopolistas; aspiram, pela manipulação e beneficiamento dos alimentos a serem consumidos, criar um paladar homogeneizado; e, em última instância, pelo direcionamento do que a população deverá gostar e ter como prazer à mesa, subalternizar as mentes e paixões das pessoas em todo o mundo.

Caso os movimentos de massa não impeçam essa ofensiva das empresas oligopolistas das sementes, estaremos adentrando em pouco tempo pelo portal da nova tirania: a definição centralizada do sentir e do vivenciar o prazer de comer (e beber). Quem sabe, a ditadura do paladar uniforme.

Notas

[1]RAFI (Rural Advancement Fund Internacional). As sementes: a base da produção alimentar do mundo, in Hobbelink, Henk. Biotecnologia, muito além da revolução verde. Desafio ou desastre? Porto Alegre, RIOCELL, p. 52.

[2] Hobbelink, Henk (1990). Perú, a terra da batata: até quando? in Biotecnologia, muito além da revolução verde. Desafio ou desastre? Porto Alegre, RIOCELL, p. 101.

[3] MOONEY, Pat Roy. O escândalo das sementes. O domínio na produção de alimentos. Ed. Nobel. São Paulo, 1987, p. XIX-XX.

[4] Carvalho, Horacio Martins (2002). O epílogo da subordinação ao grande capital, in Cadernos DIPLÔ, Le Monde Diplomatique, nº 4, p. 42-45, p. 45

[5] Zamberlam, Jurandir e Froncheti, Alceu. Agricultura ecológica. Preservação do pequeno agricultor e do meio ambiente. Petrópolis, Vozes, 2001, p. 25-6.

[6]RAFI in Hobbelink, Henk (1990). Biotecnologia, muito além da revolução verde. Desafio ou desastre? Porto Alegre, RIOCELL, p. 23.

[7] RAFI, op.cit. p. 32.

[8] Mooney, Pat. Perdendo diversidade, diminuindo possibilidades, in Hobbelink, Henk. Biotecnologia, muito além da revolução verde. Desafio ou desastre? Porto Alegre, RIOCELL, p. 41.

[9] Casado, Gloria I. Guzman, Molina, Manoel Gonzalez e Guzman, Eduardo Sevilla. Introducción à la Agroecologia como desarrollo rural sostenible. Madrid, Ediciones Mundi-Prensa, 2000, p. 342.

[10] Folha de São Paulo. Arroz transgênico resiste a seca, frio e sal. 02 de novembro de 2002, A 11.

Horacio Martins de Carvalho
Engenheiro Agrônomo
Curitiba, dezembro de 2002

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