Brasil: Poló da Borborema: trincheira da agricultura familiar

Idioma Portugués
País Brasil

Organizações de pequenos agricultores se associaram em 1993 para implantar no agreste do Paraíba um novo modelo de produção e consumo. A região da Serra da Borborema, na Paraíba, é sinônimo de renda e autonomia de pequenos produtores rurais. A consolidação da agricultura familiar, praticada em pequenas propriedades, já era exercitada na região, historicamente fornecedora de alimentos para o estado.

Com os latifundiários explorando a cana-de-açúcar no litoral e a pecuária no sertão, o agreste ofereceu suas terras para a plantação de alimentos. Ali, os pequenos agricultores desenvolveram suas plantações, atividades comerciais e resistiram bravamente contra a ameaça de perderem suas terras para as grandes empresas do campo.

Em 1993, três sindicatos de trabalhadores rurais, representantes das famílias agricultoras, organizaram o movimento político dos camponeses para consolidarem o território da agricultura familiar na região. Assim, surgiu o Pólo Sindical e das Organizações da Agricultura Familiar da Borborema, ou simplesmente, Pólo da Borborema. Hoje responsável por organizar uma das principais trincheiras da agricultura familiar no Brasil.

Dezessete anos depois, o território da agricultura familiar na região alcança 15 municípios. O Pólo da Borborema representa 15 sindicatos de trabalhadores rurais e 150 organizações camponesas. Nos campos são produzidos macaxeira, variedades de feijão, milho, genipapo, coentro, pimentão. O excedente é escoado para oito feiras agricológicas que, no último ano, renderam mais de R$ 680 mil. Um valor de R$ 264 mil a mais do que 2008.

Cabe aos agricultores selecionarem as sementes nativas da região, planejarem a estocagem da água para a plantação e preparem as bases para uma agricultura de alimentos sem uso algum de agrotóxico. Organizaram também a gestão de recursos coletivos por meio dos chamados fundos rotativos solidários, uma espécie de poupança administrada pelos próprios camponeses. Com isso, hoje não falta dinheiro para manter a infra-estrutura da propriedade, comprar animais de criação e investir em outros bens.

A equipe da Radioagência NP preparou uma série especial sobre a organização desses agricultores. Acreditamos ser de interesse dos brasileiros saber que existe no Brasil uma agricultura praticada sem uso de venenos, em pequenas propriedades e valorizando a cultura local. Bom programa para você!

Programas:

Avanço da agricultura familiar

No Planalto da Borborema, uma mobilização iniciada em 1993 até hoje é sinônimo de renda e autonomia para pequenos produtores rurais do agreste da Paraíba. Sindicatos de trabalhadores rurais e associações de pequenos produtores reunidos no Pólo Sindical e das Organizações da Agricultura Familiar da Borborema, ou simplesmente, Pólo da Borborema, é responsável por organizar a luta e a resistência dos camponeses da região. Assim foi construída uma das principais trincheiras da agricultura familiar no Brasil.

A assentada da Reforma Agrária e coordenadora regional do Pólo da Borborema, Roselita Vitor da Costa, explica como é feita a produção no local. Ela conta que o terreno é preparado para receber diversas plantações. Fato que evita o desgaste do solo do ao meio ambiente na propriedade. De acordo com ela, o gerenciamento da produção leva em conta o conhecimento de cada um dos agricultores locais.

“Temos mais de 300 agricultores e agricultoras que hoje mobilizam seu conhecimento e partilham esse conhecimento com outros agricultores no tema das sementes, da criação animal, da saúde e da alimentação.”

Segundo Roselita, os produtores cuidam de apiários, aviários e viveiros de mudas. Os agricultores, segundo Roselita, querem preservar a biodiversidade da região.

“Não podemos dizer que vencemos [o agronegócio], mas acho que conseguimos discutir políticas importantes. Se não tivéssemos construindo políticas agroecológicas, seria difícil romper com o agronegócio na região.”

Além de organizar a plantação, os pequenos agricultores estocam forragem para manter a alimentaçcão dos animais. Fazem o manejo sustentável do solo e cuidam da saúde de toda a família. Isso é feito a partir da plantação de ervas medicinais, cultivadas principalmente pelas agricultoras.

Mas foi com a estocagem das sementes, nos chamados bancos de sementes, que os agricultores da região deram um basta na dependência política e econômica com os grandes da região.

Banco de Sementes: independência do pequeno agricultor

No Planalto da Borborema, uma mobilização iniciada em 1993 até hoje é sinônimo de renda e autonomia para pequenos produtores rurais do agreste da Paraíba. Sindicatos de trabalhadores rurais e associações de pequenos produtores reunidos no Pólo Sindical e das Organizações da Agricultura Familiar da Borborema, ou simplesmente, Pólo da Borborema, é responsável por organizar a luta e a resistência dos camponeses da região Assim foi construída uma das principais trincheiras da agricultura familiar no Brasil.

Os agricultores do estado da Paraíba passaram por momentos difíceis antes da organização dos bancos de sementes. Antes de organizarem seus próprios bancos, as sementes estavam concentradas nas mãos de poucos fazendeiros. Muitas vezes, os pequenos agricultores tinham que firmar parcerias com os grandes fazendeiros para a plantação. Isso criava uma dependência do poderio econômico e político da região.

O coordenador do programa de desenvolvimento local do Agreste da Paraíba da AS-PTA e membro da coordenação-executiva da articulação do Semi-Árido brasileiro, Luciano Silveira, explica a relação política desenvolvida em torno das sementes.

“Na história da agricultura no Semi-Árido, a fragilidade com que as famílias foram expostas a esse modelo mais conservador, fez com que na trajetória política se estabelecesse relações de clientelismo, de dependência. Semente e água sempre foram moedas de troca. O poder local sempre exerceu relações dominadoras e de subordinação pela dependência que as famílias tinham de água e semente. O trabalho que é feito aqui é um trabalho de autonomias locais e sementes e água são recursos essenciais para a convivência com o semi-Árido.”

Segundo Luciano, antes da consolidação dos bancos, os técnicos agrícolas do governo desvalorizavam as sementes camponesas. Diziam aos agricultores que eram grãos que não tinham germinação. Com isso, os camponeses desistiam de plantar suas sementes e recorriam ao chefe político e econômico local.

“O trabalho desenvolvido aqui na Borborema resgatou a história da tradição local, e também experiências de organizações comunitárias promovidas pela Igreja na década de 1970, que estimularam bancos de sementes comunitários.”

Hoje o Pólo da Borborema tem na sua base 82 bancos de sementes comunitários. Em todo o estado da Paraíba são aproximadamente 220 bancos. Assim como o banco das sementes, o “Programa 1 milhão de cisternas” do governo federal também foi responsável pela autonomia do pequeno produtor em relação à água.

Hoje, no conjunto dos 15 municípios compreendidos pelo Pólo, são mais de 5.2 cisternas (dados de 2009), responsáveis por armazenar 83 milhões de litros de água. A quantidade beneficia mais de 26 mil agricultores. Os bancos de sementes possuem espécies variadas, que ficam à disposição dos agricultores para a plantação. O agricultor e coordenador sindical do Pólo da Borborema, Euzébio Cavalcanti, conta que a organização trouxe autonomia.

“A semente é à base da agricultura. Sem ela, nós ficamos com as mãos amarradas. Nós passamos a ter a organização comunitária, solidária, o acesso a semente na época em que começava a chuva, pois as chuvas são rápidas e temos que aproveitar o tempo. Nós temos a semente da região, adaptadas à nossa região, que os agricultores já conhecem como é o ciclo de plantação. Isso faz com que os agricultores possam alcançar essa liberdade.”

A rede extensa de sementes trouxe autonomia política às famílias agricultoras e preserva o patrimônio genético da biodiversidade de sementes da região. Os bancos são construídos atualmente a partir das variedades guardadas pelos próprios agricultores. As sementes são chamadas por eles de “sementes da paixão”, expressão simbólica para valorizar a luta local. Segundo Euzébio, os bancos resgataram a auto-estima dos agricultores da região.

“Os bancos de semente nos deu duas lições: a primeira que é possível crescer o número de pessoas que guardam suas sementes para plantar no outro ano, e a outra, que é possível ter uma auto-estima com a plantação das sementes tradicionais.”

O estímulo da distribuição em larga escala de apenas uma variedade de semente é certamente uma ameaça às sementes camponesas. A contaminação dos cultivos por culturas transgênicas e por agrotóxico é facilitada pelo vento e animais.

O risco é menor quanto mais forte for o cordão de isolamento das culturas. Para Euzébio, isso só acontece a partir da associação dos pequenos agricultores rurais contra o avanço dos monocultivos no campo. Acompanhe no próximo programa o tema, “Combate com o agronegócio: a expulsão da Souza Cruz”.

Combate com o agronegócio: a expulsão da Souza Cruz

No Planalto da Borborema, uma mobilização iniciada em 1993 até hoje é sinônimo de renda e autonomia para pequenos produtores rurais do agreste da Paraíba. Sindicatos de trabalhadores rurais e associações de pequenos produtores reunidos no Pólo Sindical e das Organizações da Agricultura Familiar da Borborema, ou simplesmente, Pólo da Borborema, é responsável por organizar a luta e a resistência dos camponeses da região. Assim foi construída uma das principais trincheiras da agricultura familiar no Brasil.

Roselita Vitor da Costa, agricultora e coordenadora regional do Pólo, relembra o período em que a empresa Souza Cruz pretendia entrar na região. A empresa que é líder no mercado de cigarros no Brasil tentou implementar o fumo na região em 2005, oferecendo aos pequenos agricultores propostas para a plantação consorciada.

Segundo Roselita, a dificuldade financeira dos camponeses fez com que eles ficassem tentados a aceitar a proposta da Souza Cruz. Ela afirma que muitos agricultores somaram prejuízos com a decadência da cultura da batatinha em função da seca de 1997 e 1998. A plantação era financiada por crédito bancário e consumia muito veneno. Com o desgaste dos solos, os bancos se eximiram de manter os financiamentos e a produção dos agricultores, baseada no monocultivo, caiu drasticamente. A proposta da Souza Cruz então era uma tentação. A resposta do Pólo Sindical da Borborema foi imediata.

“Nós conseguimos articular um grande seminário com o Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), com o Pólo, com as organizações dos agricultores e conseguimos fazer um debate muito claro do que o fumo significaria para o território”.

Durante o debate foram discutidos princípios com os agricultores.

“Um deles é o reconhecimento do papel dos agricultores e agricultoras como sujeitos de mudança desse processo. Porque são eles que estão no dia-a-dia construindo agricultura. [Não se deve] construir um programa de agricultura sem essa visão e daí a Souza Cruz já trazia tudo pronto, excluindo, por exemplo, o conhecimento dos agricultores, que implanta sua forma de extensão.”

De acordo com a proposta da Souza Cruz, a multinacional emprestaria para as famílias o dinheiro para comprar estufa, sementes e insumos. No período da colheita, quando fosse calcular o que os agricultores produziram, a empresa extraíria o que financiou.

Segundo o coordenador do Pólo da Borborema e agricultor Euzébio Cavalcanti, nem sempre o lucros dariam para cobrir os custos dos pequenos agricultores com a plantação. Além dessa questão, também foi discutido com os agricultores os estragos que a plantação do fumo já tinha causado em outras regiões.

“Quantos agricultores se envolveram, tiveram um endividamento muito grande e também foram escravizados pela cultura do fumo, que dá mais renda para as empresas do que para as famílias que terminam iludidas?”

Com o alerta, a trincheira foi mantida. Os pequenos produtores rurais desistiram de plantar fumo e expulsaram a Souza Cruz que não ficou na região.

Soberania alimentar e o papel das mulheres na agricultura

No Planalto da Borborema, uma mobilização iniciada em 1993 até hoje é sinônimo de renda e autonomia para pequenos produtores rurais do agreste da Paraíba. Sindicatos de trabalhadores rurais e associações de pequenos produtores reunidos no Pólo Sindical e das Organizações da Agricultura Familiar da Borborema, ou simplesmente, Pólo da Borborema, é responsável por organizar a luta e a resistência dos camponeses da região. Assim foi construída uma das principais trincheiras da agricultura familiar no Brasil.

Com a produção do próprio alimento, as famílias agricultoras conseguiram se livrar do consumo de produtos com agrotóxico e conservantes. Com a prática, diminuíram os riscos de câncer, derrame e infarto, três das principais causas de morte entre os brasileiros.

O excedente da produção é vendido em oito feiras agroecológicas montadas semanalmente na região. No entanto, os agricultores relatam que está crescendo em toda Paraíba as redes de supermercado e o consumo de produtos industrializados.

Para Paulo Petersen, diretor-executivo da AS-PTA e vice-presidente da Associação Brasileira de Agroecologia, a experiência do Pólo ainda é insuficiente para impedir a entrada das grandes redes de supermercado.

“Na verdade os mercados estão mudando muito, sobretudo com o avanço da globalização neoliberal, onde as cadeias de produção e consumo estão ficando cada vez mais distantes. Então determinados territórios se especializam na produção de determinados item e em monoculturas e passam a ser importadores dos demais produtos.”

Segundo ele, esse tipo de lógica favorece a concentração da produção alimentar em grandes corporações.

“São os chamados de grandes impérios alimentares. Como enfrentar esse tipo de questão hoje em dia? Esses impérios estão asfixiando a agricultura e o consumo, porque não só oferecem produtos de baixa qualidade como cada vez mais caros.”

Uma alimentação mais saudável e barata, segundo ele, só seria possível com o encurtamento das cadeias de produção e consumo, como já é desenvolvido pela agricultura familiar.

“O território produz a maior parte daquilo que consome. Pode até existir importação e exportação nos territórios, mas essa é a ideia da soberania alimentar tem muito a ver com isso, cada território tem uma cultura alimentar, que é ligada à biodiversidade, à natureza. Isso é a base para construir sistemas econômicos mais autônomos e soberanos.”

A lógica econômica da agricultura familiar é o inverso da lógica desenvolvida pelos mercados. O uso da moeda não é mais importante que as relações de solidariedade entre a comunidade.

“Temos o entendimento de que essas transformações só terão capacidade de ocorrer com sustentação se as próprias organizações da agricultura familiar forem protagonistas desse processo. Isso não é um processo de assessorias ou lideranças. É preciso que tenha uma base social que tenha práticas e experiências que apontem para outro modelo e, ao mesmo tempo, essas práticas sejam significadas do ponto de vista político.”

Roselita Vitor da Costa, agricultora e coordenadora do Pólo, destaca que existem avanços do Pólo nesse sentido, e defende que é preciso fortalecer as relações desenvolvidas entre produtores e consumidores.

“Quem produz o alimento? É quem está campo. Quem consome? É quem está na cidade. Nós precisamos ser aliados fortes nesse sentido. A nossa mensagem precisa chegar na cidade. Se a gente não organizar uma forma alternativa de produção, as pessoas da cidade irão consumir alimentos que vão trazer doença e mais custos. O campo e a cidade precisam se unir em torno desse projeto político, porque diz questão à saúde, soberania, dignidade, independente para quem está no campo ou na cidade. Precisa ter uma vida melhor.”

Ela conta que a defesa de um consumo alimentar de qualidade é uma das principais preocupações dos pequenos agricultores rurais organizados no Pólo da Borborema. Na região estão sendo resgatados conhecimentos, principalmente entre as mulheres, para garantir a soberania alimentar.

De acordo com ela, foi a partir da valorização desses conhecimentos que as mulheres deixaram para trás a posição de subalternas em ralação aos homens na propriedade familiar. Ainda segundo Roselita, o agronegócio nega a mulher como conhecedora da agricultura. Neste caso, a mulher é considerada simplesmente ajudante da lida diária e não construtora.

“Quem é que cuida das plantas medicinais? Quem é que planta e colhe as sementes? Quem é que cuida dos animais? Esse projeto neoliberal de agronegócio nega o conhecimento das mulheres como construtoras da agricultura. Então, aqui no Pólo, a gente tem construído novas relações nesse sentido e resgatado o conhecimento das mulheres a partir do que elas fazem. E que tem um papel fundamental para a agricultura familiar e para o resgate cultural das plantas medicinais, o que está ligado também ao alimento.”

Segundo o agricultor e coordenador do Pólo, Euzébio Cavalcanti, as relações entre homem e mulher estão sendo alteradas em toda a região do Pólo. Antes, as mulheres da região não tinham voz dentro de casa e agora chagam a ocupar funções políticas de organização.

“Enquanto cidadão, homem e líder sindical eu coloco que é um papel muito importante resgatar essa força que a mulher tem. Nós sabemos o quanto é importante uma família unida e nós sabemos que não existe união quando tem uma supremacia dos homens. Tinha períodos que nossas reuniões comunitárias contavam com mais homens [que mulheres] e as coisas não cresciam como a gente queria. Em 2004, depois que construímos a Comissão Saúde e Alimentação – na qual está envolvido o trabalho das mulheres com as plantas medicinais, na pequena criação, com as frutas – constatamos que trabalho teve um ganho muito grande. Passou [a contar com] a sensibilidade e a força da mulher.”

Conhecimento popular e controle da mosca-negra

No Planalto da Borborema, uma mobilização iniciada em 1993 é até hoje sinônimo de renda e autonomia para pequenos produtores rurais do agreste da Paraíba. Sindicatos de trabalhadores rurais e associações de pequenos produtores reunidos no Pólo Sindical e das Organizações da Agricultura Familiar da Borborema, ou simplesmente, Pólo da Borborema, é responsável por organizar a luta e a resistência dos camponeses da região. Assim foi construída uma das principais trincheiras da agricultura familiar no Brasil.

No início de 2010, uma praga conhecida como mosca-negra atingiu as plantações cítricas dos agricultores do agreste da Paraíba. A praga é responsável por danificar as folhas novas em crescimento, reduzindo a respiração e a alimentação, retirada da luz solar. Causa também fungos que estragam o fruto. Para fazer o combate da praga, o governo do estado anunciou a aplicação do agrotóxico Provado, fabricado pela Bayer.

O Pólo Sindical do Borborema contestou a decisão, conforme recorda o coordenador sindical e agricultor, Euzébio Cavalcanti. Segundo ele, desde 2008 existe uma batalha na Paraíba contra o uso do produto.

“Nós fizemos enfrentamento com o governo do Estado, que fez parceria com a Bayer. Eles querem que esse veneno seja despejado aqui nos laranjais. Muitos agricultores vão sofrer as consequências [desse uso]. A Europa já dizimou o Provado de lá e por que a gente vai usar?”

A partir do episódio da mosca-negra, os pequenos agricultores se reuniram e discutiram formas naturais de controle biológico da praga. Assim decidiram que ao invés de utilizarem agrotóxicos, combateriam o mal por meio de caldos feitos do sumo da castanha do caju, por exemplo.

“É muito interessante o que a gente viu em algumas comunidades quando os especialistas do governo chegaram distribuindo o Provado e algumas pessoas se recusaram a receber. As reuniões e as experiências que a gente fez estão surtindo um efeito muito positivo de encorajar as pessoas a rejeitar essa proposta, mesmo com a proibição de negociar a sua laranja.”

Como o controle biológico da praga foi eficaz, as Universidades do estado passaram a reconhecer e certificar o conhecimento dos agricultores. A venda da laranja, que até então estava proibida, foi liberada a partir de laudos dos próprios técnicos do governo. O resultado foi o recuo da Bayer e o governo na tentativa de implantar o Provado nas culturas locais.

O que esperar da agricultura familiar no próximo período?

Organizações de pequenos agricultores se associaram em 1993 para implantar no agreste do Paraíba um novo modelo de produção e consumo.(9'40'' / 2,21 Mb) - No Planalto da Borborema, uma mobilização iniciada em 1993 é até hoje sinônimo de renda e autonomia para pequenos produtores rurais do agreste da Paraíba. Sindicatos de trabalhadores rurais e associações de pequenos produtores reunidos no Pólo Sindical e das Organizações da Agricultura Familiar da Borborema, ou simplesmente, Pólo da Borborema, é responsável por organizar a luta e a resistência dos camponeses da região. Assim foi construída uma das principais trincheiras da agricultura familiar no Brasil.

Entre os dias 14 e 15 de outubro de 2010, representantes de movimentos da sociedade civil organizada foram até o município de Lagoa Seca, a 140 quilômetros de João Pessoa (PB), para conhecer o trabalho do Pólo.

O objetivo era compartilhar as experiências de agricultura familiar desenvolvidas em outros estados como Pernambuco e Ceará. Participaram do encontro integrantes dos movimentos sociais da Agricultura Familiar, da Economia Solidária, da Justiça Ambiental e da Soberania Alimentar, que relataram a urgência de organizar mais trincheiras em outras regiões do Brasil.

Foram debates intensos que apontaram a necessidade da organização coletiva entre todas as frentes a partir da luta conjunta e não isolada, como acontece hoje no território nacional. Para Luciano Silveira, coordenador do programa de desenvolvimento local do Agreste da Paraíba da AS-PTA e membro da coordenação-executiva da articulação do Semi-Árido brasileiro, o evento foi muito proveitoso.

“Esse evento partiu de um pressuposto que é a existência de muitas redes que estão atuando na luta da justiça ambiental, social e econômica. E, apesar de cada qual estar com uma luta específica, encontram identidade muito forte no trabalho e nas pautas de luta”.

A integrante da Via Campesina e do Núcleo Tramas (Trabalho, Meio Ambiente e Saúde para a sustentabilidade) da Universidade Federal do Ceará, Maiana Maia, elogiou a construção do evento e chamou atenção para a necessidade de rearticulação das lutas camponesas em todo país.

“É um espaço muito importante de fortalecimento, de identificação de bandeiras que na prática já são compartilhadas por vários movimentos que tem a sua origem diversa. mas que se encontram para buscar uma atuação mais rede como também para a percepção de diferenças para aprendizagem.”

O diretor-executivo da AS-PTA e vice-presidente da Associação Brasileira de Agroecologia, Paulo Petersen, afirma que foi possível confirmar a hipótese de que o movimento da Economia Solidária, Segurança e Soberania Alimentar são movimentos que se organizam na defesa de políticas públicas muito semelhantes às que são reivindicadas pelos agricultores do território da Borborema.

“A gente conseguiu diagnosticar a insuficiência de alianças entre esses movimentos e a necessidade de, ao fortalecer essas alianças, melhor ocupar os espaços políticos de participação na negociação de políticas públicas.”

Maiana destaca a previsão do agronegócio para o próximo período. Está previsto pelo governo brasileiro um forte crescimento; que deve significar a expansão dos grandes monocultivos: que pode levar venenos inclusive aos territórios ocupados pela agricultura familiar.

“O Ministério de Agricultura e Pecuária elaborou esse ano o projeto de expectativa para o agronegócio em 2011. Então, independente do governo, percebemos que a expectativa nacional e internacional é de crescimento. Isso vai acontecer tanto nos níveis de financiamento, como nos [níveis] de danos e contaminação. A partir dessa perspectiva de expansão – que a gente acredita que pode até se dar em níveis diferentes, dependendo do governo – é muito importante os movimentos se organizarem para construírem uma contraproposta”.

Para o integrante do Movimento Agoecológico dos Produtores da Reforma Agrária de Pernambuco (Mapra) e do Fórum Estadual de Economia Solidária, Fábio Roberto, existiu consenso entre os movimentos.

Ele conta que existe em Pernambuco, desde 2003, o Fórum Estadual de Economia Solidária. Segundo ele, 40% das organizações, cooperativas e associações do fórum são veinculadas à agricultura familiar e à agroecologia.

Ou seja, a agricultura que é produzida em respeito à saúde do consumidor, à biodiversidade do meio ambiente e que é rentável às famílias produtoras. Para Fábio, a experiência avançada do Pólo da Borborema deve sustentar as práticas da agricultura familiar em outras regiões.

“Essa experiência precisa ser melhor publicisada, sobretudo na resistência do modo de produção agroecológico que o Pólo, enquanto território, está executado. Precisa ser levado para que outros territórios absorvam essa prática e organização que os companheiros tem feito aqui”.

Ele também observou convergência entre o desenvolvimento do modelo de produção praticado pelo Pólo e os princípios defendidos pelos movimentos de Economia Solidária.

“A Economia Solidária tem princípios norteadores a solidariedade, uma economia nova, sem patrão, sem empregado, sem exploração, de preservação da vida e do meio ambiente. Aqui no Pólo da Borborema os companheiros e as famílias, sobretudo de agricultores familiares, já praticam isso fartamente”.

Para Paulo Petersen, a tarefa dos movimentos sociais para o próximo período é avançar.

“A nossa leitura é que nos últimos anos houve um enfraquecimento dos movimentos sociais, sobretudo das suas expressões mais locais. Então existe uma necessidade de reposicionarmos no cenário político. Devemos atuar com mais ofensividade na defesa dos princípios desse projeto que estamos construindo. Como fortalecer a sociedade civil nos territórios? O exemplo aqui é o Pólo. É muito difícil pensar o avanço da Economia Solidária e da agricologia se você não tiver organização social forte nos territórios. Porque isso não depende só de alocação de recurso financeiro, depende da mobilização da cultura local, para a valorização do potencial ambiental e ecológicos dos lugares.”

O agricultor e coordenador do Poló Sindical da Borborema, Euzébio Cavalcanti, concorda com Paulo.

“Eu acredito que as lutas já deveriam estar acontecendo em muitos locais. Nós respeitamos muito o governo Lula, mas o governo não é feito de um presidente. O governo é feito de brigas constantes do agronegócio com a agroecologia. Quando a gente não briga, a gente perde. Quando a gente não luta para conquistar o espaço, esse espaço é dado a outro. Independente do governo, isso acontece. Nós temos que lutar, ir pra rua e brigar para que as coisas aconteçam do jeito certo, como é esse trabalho que a gente desenvolve aqui na região.”

Mas como implantar um modelo de desenvolvimento alternativo nesse país? Para Fábio, do Movimento Agoecológico dos Produtores da Reforma Agrária de Pernambuco, só existe um caminho.

“Mostrando, sobretudo, com ações, colocando produtos no mercado, que sejam produtos diferenciados, que trabalha a questão da economia ambiental e de uma economia diferenciada para que a população tenha conhecimento disso. Utilizando também da mídia alternativa e tradicional para que mostre a justeza dessas maneiras”.

Segundo as organizações é preciso desconstruir o imaginário que o agronegócio é o responsável pelo grande desenvolvimento do Brasil. É o que destaca o coordenador do programa de desenvolvimento local do Pólo, Luciano Silveira.

Inclusive os dados do Censo Agropecuário da agricultura familiar mostraram que a agricultura familiar foi responsável por 40% do PIB agrícola, não é pequeno se considerarmos que a agricultura familiar foi marginalizada por séculos. Ao mesmo tempo, respondem pela absorção de 80% da mão-de-obra da área rural, o que também não é pouco”.

Na produção de alimentos, a agricultura familiar é responsável por 70% dos alimentos consumidos no país. Todos esses levantamentos e discussões serão levados para o Encontro Nacional de Dialógo e Convergências que deve se realizar em Salvador (BA), ainda sem data definida.

O Encontro está sendo convocado por dezenas de entidades e organizações favoráveis ao desenvolvimento da agricologia com a agricultura familiar no Brasil. O objetivo é erguer enormes trincheiras, como o Pólo da Borborema, também em outros territórios.

Fuente: Radioagência NP

Temas: Agricultura campesina y prácticas tradicionales

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