A Festa de Troca de Sementes Crioulas na comunidade tradicional São Manoel do Pari-MT
Trabalho coletivo, saberes tradicionais e alimentos
Este texto ocupa-se da reflexão acerca das relações existentes entre a produção associada e agroecológica e a cultura do trabalho que dão fundamento histórico para a instituição da Festa de Troca de Sementes Crioulas, nas comunidades tradicionais da baixada cuiabana. Os dados empíricos resultam de pesquisas realizadas a partir do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho e Educação. A análise foi feita a partir do materialismo histórico dialético, o que permitiu compreender as múltiplas determinações que conformam a festa de troca de sementes crioulas, bem como, seus possíveis significados e implicações.
Introdução
O presente texto se ocupa da reflexão sobre os possíveis significados da Festa de Troca de Sementes Crioulas junto à comunidade tradicional São Manoel do Pari-localizada no município de Nossa Senhora do Livramento no Estado de Mato Grosso-, a partir do materialismo histórico dialético, bem como, da centralidade do trabalho enquanto elemento fundante do ser social.
A metodologia utilizada foi de cunho qualitativo, com alguns princípios e elementos da pesquisa participante, tais como: a observação participante-durante o processo de construção e de desenvolvimento da Festa de Troca de Sementes Crioulas-,os diálogos, entrevistas semi-estruturadas, rodas de conversa, registros fotográficos, gravação de vídeos e caderno de campo.
Analisamos como se efetiva a produção da existência, tendo como fundamento determinante a produção associada, autogestionada e agroecológica, produções estas que valorizam experiências de solidariedade, cooperação, reciprocidade, cuidado, fraternidade e, por fim, ouso de sementes e plantas crioulas, todas presentes na Festa de Troca de Sementes Crioulas.
A cultura do trabalho forjada a partir da produção da existência é permeada de sentidos, significados e representações de mundo. Assim, desta cultura do trabalho emergem: harmonia com a natureza, proposta alternativa de produção da existência, soberania alimentar, tentativa de superar a lógica do capital, fortalecimento de saberes populares e tradicionais, construção de relações sociais igualitárias, autogestão na produção e proteção do território e da biodiversidade.
São determinações como estas que criaram condições históricas para a instituição das Festas deTroca de Sementes Crioulas nesta comunidade tradicional.
A preservação da semente crioula éa intencionalida de impulsionadora que unifica as diversas comunidades, as famílias, os interesses, as perspectivas, os valores, as atitudes e a representação de mundo. A territorialização do capital: a mercantilização e alienação das sementes.
Com a territorialização do capital no campo, a produção de alimentos possui uma única intencionalidade: tornar sua mercadoria fonte de lucro. Esta produção, em Mato Grosso, se resume a pouquíssimas mercadorias: gado, soja, milho, algodão e cana-de-açúcar, as quais ocupam mais de 90% da terra agricultável(CABRAL, 2015). Esta é a força da mercantilização de alimentos na intencionalidade do lucro e seu consequente controle dos preços: “no mercado mundial, os oligopólios jogam todo o seu peso para impor os preços dos alimentos-em seu próprio benefício, claro: o preço mais elevado possível”(ZIEGLER, 2013, p. 157).
Para controlar os alimentos é necessário,a priori controlar as terras. No estado de Mato Grosso, este controle está efetivado na concentração de terras agricultáveis. Segundo os dados do censo Agropecuário de 2017, em Mato Grosso existem 118.676 estabelecimentos em uma área de54.830.819 hectares. Ao se comparar os dados de 19752e 2017, houve um aumento de 111,83%no número de estabelecimentos e um aumento de 149,8% da área utilizada, contudo, estes números absolutos não denunciam a concentração de terras em controle de poucos latifundiários.
Em 2017, os pequenos proprietários que possuíam terras em até 100 hectares eram 81.499 estabelecimentos, ou seja, 68,67% do total de estabelecimentos, distribuídos emuma área de 2.751.366 hectares, 5,0% do total da área. En quanto os que possuem mais de 1.000hectares são apenas 868 estabelecimentos, 0,73% do total, em uma área de 19.606.336 hectares,35,72% do total.
Assim se controla a produção de alimentos. Foi com o comando da industrialização sobre a produção, não somente sobre sementes, adubos,etc., mas sobre defensivos agrícolas, que o agrotóxico se tornou força mercadológica deste sistema direcionado pelo agronegócio. São diversos os seus produtos: inseticidas, pesticidas, herbicidas, fungicidas, formicidas, etc. Segundo Pignati junto a outros pesquisadores (2017), dos dez maiores municípios consumidores de agrotóxico no país, sete estão em Mato Grosso, demonstrando desta forma a importância deste produto à produção agrícola do agronegócio estadual.
O agrotóxico reduz drasticamente a diversidade da fauna e flora, empobrece o solo e limita avariedade de alimentos.[...] as paisagens agrícolas do mundo são destinadas ao plantio de apenas 12 espécies, 23 espécies de hortaliças e 35 espécies de furtas enozes. Isso significa que não mais de 70 espécies ocupam aproximadamente 1,44 bilhão de hectares deterras hoje cultivadas no mundo (ALTIERI, 2012, p. 24). Alimentos não são somente mercadorias, são instrumentos de poder político, por isso énecessário oseu controle. Controla-se estados, povos, trabalhadores e consumidores.
Controlar alimentos é controlar a vida, isto é, controlar quem deve viver, quem deve morrer e quem develabutar, alienando asua força de trabalho,para sobreviver.
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