UNCTAD reforça coro contra modelo convencional de agricultura

Por AS-PTA
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"Quase um bilhão de pessoas sofre de fome crônica e outro bilhão é mal nutrido. Cerca de 70% dessas pessoas são pequenos agricultores ou trabalhadores rurais. Isso mostra que a fome e a malnutrição não são fenômenos decorrentes da falta de alimentos, mas sim resultados da pobreza prevalecente e, acima de tudo, de problemas de acesso aos alimentos."

“O desenvolvimento agrícola está numa verdadeira encruzilhada. A título de ilustração, os preços dos alimentos no período entre 2011 e meados de 2013 eram quase 80% mais altos do que no período entre 2003 e 2008. O uso global de fertilizantes aumentou 8 vezes nos últimos 40 anos, embora a área global de produção de cereais tenha apenas dobrado no mesmo período. As taxas de aumento de produtividade agrícola recentemente declinaram de 2% para 1% ao ano. Dois limites ambientais globais já foram ultrapassados (contaminação dos solos e das águas por nitrogênio e perda de biodiversidade) por causa da agricultura. As emissões de gases do efeito estufa pela agricultura não são apenas a maior fonte de aquecimento global no Sul (além do setor de transportes), mas são também as mais dinâmicas. A escalada de aquisições de terras por estrangeiros minimiza o nível de assistência oficial para o desenvolvimento, tendo a primeira representado um valor 5 a 10 vezes maior do que a segunda nos anos recentes.”

Os dados acima são apresentados no texto da UNCTAD, a organização das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, para divulgação do Relatório de 2013 sobre Comércio e Meio Ambiente. A descrição do atual contexto de crise não para por aí:

“Mais importante de tudo, apesar do fato de que o mundo atualmente já produz calorias suficientes por pessoa para alimentar uma população global de 12-14 bilhões, erradicar a fome continua sendo um desafio chave. Quase um bilhão de pessoas sofre de fome crônica e outro bilhão é mal nutrido. Cerca de 70% dessas pessoas são pequenos agricultores ou trabalhadores rurais. Isso mostra que a fome e a malnutrição não são fenômenos decorrentes da falta de alimentos, mas sim resultados da pobreza prevalecente e, acima de tudo, de problemas de acesso aos alimentos. Tornar essas pessoas autossuficientes em comida ou capazes de obter uma renda apropriada através da agricultura para comprar gêneros alimentícios precisar virar o centro das atenções na transformação agrícola futura. Além disso, as tendências atuais de demanda excessiva por biocombustíveis e concentração do uso de cereais e sementes oleaginosas para a alimentação animal, dietas demasiadamente baseadas em carne e o desperdício pós-colheita são questões consideradas como dadas, no lugar de se desafiar a sua racionalidade. De forma questionável, a prioridade nas discussões políticas internacionais permanece fortemente focada no aumento da produção agrícola industrial, na maior parte das vezes sob o slogan ‘produzir mais comida com menos custos para o meio ambiente’”.

A partir de constatações como essas mencionadas acima, o relatório da UNCTAD, intitulado “Acorde antes que seja tarde demais: torne a agricultura verdadeiramente sustentável agora para a segurança alimentar em um clima em mudança” (na tradução livre do inglês), divulgado em 18 de setembro, faz uma série de recomendações. O estudo foi elaborado por mais de 50 especialistas internacionais, que contribuíram com suas visões para uma análise completa dos desafios e das estratégias mais apropriadas para lidar de forma holística com os problemas inter-relacionados da fome e da pobreza, dos meios de vida rurais, desigualdade social e de gênero, saúde precária e nutrição, e mudanças climáticas e sustentabilidade ambiental.

Segundo o texto, tanto países desenvolvidos como em desenvolvimento necessitam de uma mudança de paradigma no desenvolvimento rural: de uma “revolução verde” para uma abordagem de “intensificação verdadeiramente ecológica”. Para tanto, a organização propõe uma rápida e significativa mudança do sistema de produção convencional, que é baseado na monocultura e na alta dependência de insumos externos, para mosaicos de sistemas de produção sustentáveis e regenerativos, que também melhorem consideravelmente a produtividade de agricultores de pequena escala.

O relatório ressalta que a transformação requerida é muito mais profunda do que um simples ajuste dos sistemas agrícolas industriais existentes. O que se propõe é uma melhor compreensão da multifuncionalidade da agricultura, sua importância central para o desenvolvimento rural em favor dos pobres e o papel significativo que ela pode cumprir ao lidar com a escassez de recursos naturais e para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

No entanto, os autores do relatório reconhecem que a escala em que os novos métodos de produção teriam que ser adotados, as sérias questões de governança, os problemas de assimetria de poder nos mercados de alimentos, bem como as regras atuais de comércio agrícola representam enormes desafios.

Segundo os autores, na busca de uma transformação fundamental da agricultura, algumas considerações sistêmicas precisam ser levadas em consideração, entre elas os méritos e deméritos de práticas isoladas em favor do clima versus práticas que envolvem mudanças sistêmicas (tais como a agroecologia, a agrofloresta e a agricultura orgânica) e a necessidade de uma abordagem em duas vias, que de um lado reduza drasticamente os impactos ambientais da agricultura convencional, e de outro amplie o escopo dos métodos de produção agroecológica.

Note-se que o novo relatório da UNCTAD vem reforçar considerações e recomendações que vêm, ao longo dos últimos anos, sendo defendidas por grupos internacionais de especialistas e publicadas por importantes organizações internacionais, como foi o caso da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura) em 2007, do IAASTD (Avaliação Internacional sobre Ciência e Tecnologia Agrícola para o Desenvolvimento, na sigla em inglês) em 2008, e da própria UNCTAD em 2010.

Com efeito, é crescente o reconhecimento de que as soluções para as crises ambiental e social que atravessamos passam pela agroecologia. Entretanto, muito temos ainda que caminhar para que esse reconhecimento transforme as políticas e as práticas em escala global.

Carta Aberta ao Governo e à Sociedade Brasileira sobre o PAA e a Conab

Mais de quarenta movimentos sociais, redes e organizações da sociedade civil no Brasil assinam a Carta Aberta ao Governo e à Sociedade Brasileira sobre o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), divulgada esta semana.

A carta faz referência à operação da Polícia Federal deflagrada na última semana, que investiga supostas irregularidades e desvios de recursos no programa e resultou na detenção de 10 agricultores e do funcionário da Conab no Paraná, Valmor Bordin, bem como no indiciamento do Diretor de Política Agrícola e Informações da Conab, Silvio Porto.

As organizações repudiam os procedimentos utilizados e a forma distorcida e pouco clara que as informações sobre a operação foram divulgadas por grande parte dos meios de comunicação, bem como reafirmam a relevância do Programa de Aquisição de Alimentos, exigindo sua continuidade e ampliação, nos marcos que vêm sendo discutidos em suas instâncias de gestão e controle social.

Reafirmam também a importância da Conab como órgão executor do PAA e a plena confiança no seu Diretor Silvio Porto, gestor público reconhecido pela sua ética e retidão no exercício da função pública e dotado de uma história de vida pública na área do abastecimento e segurança alimentar e nutricional que lhe confere idoneidade e capacidade técnica e gerencial para a implementação e gestão do PAA.

Fuente: AS-PTA

Temas: Sistema alimentario mundial

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