Brasil: estratégias criminosas das transnacionais da celulose no Rio Grande do Sul

Idioma Portugués
País Brasil

Há três anos, a grande imprensa anunciava um ambicioso plano de ocupação territorial, apresentando um zoneamento para a plantação de eucaliptos para fins de produção de celulose no sul do Cone Sul. A área, abrangendo o sul do estado do Rio Grande do Sul, no Brasil, e parte dos territórios do Uruguai, Argentina e Paraguai, em grande parte coincidia com a área do bioma Pampa, rico, ameaçado e pouco conhecido ecossistema formado por pastagens naturais de única sociobiodiversidade

No Rio Grande do Sul, a atividade denominada de “a nova vocação da metade sul do Estado”, foi ironicamente chamada de “reflorestamento”, apesar de consistir na monocultura de árvores exóticas, a expansir-se para uma área estimada em mais de 1 milhão de hectares, numa região de campos nativos onde jamais existiu uma floresta que pudesse ou devesse ser restaurada.

De lá pra cá, diversas foram as manifestações críticas de pesquisadores, ambientalistas e até de políticos sobre os impactos sociais e ambientais negativos que a atividade traria para a região, ao mesmo tempo em que se desvendavam as estratégias excusas das transnacionais envolvidas neste plano.

Apresentadas como empresas nacionais, a Aracruz Celulose e a Votorantim Papel e Celulose foram as primeiras a anunciar suas intenções, seguidas da Sueco-finlandesa Stora Enso. As três corporações fizeram um acordo para dividir a metade sul do Rio Grande do Sul em três áreas onde cada uma ocuparia seu território: A Votorantim ao Sul, a Stora Enso ao oeste, próxima a fronteira com o Uruguai e Argentina, e a Aracruz na região da Depressão Central.

A Aracruz, uma transnacional controlada pelos grupos Lorentzen, da família real norueguesa, Safra e Votorantim e da empresa sueco-finlandesa Stora Enso, e ainda com capita do BNDES, em junho de 2006 anunciou formalmente seu plano de expandir sua capacidade de produção no estado para 1,8 milhões de toneladas anuais de celulose branqueada, através da quadruplicação de uma planta de celulose localizada em Guaíba, próxima à capital Porto Alegre, a qual foi adquirida da Riocell em 2000. Na década de 70, esta fábrica malcheirosa então denominada Boregard, foi alvo das primeira lutas ambientalistas do Estado.

A Aracruz é também acionária da Votorantim Celulose e papel, do Grupo Votorantim, o qual tem 48% de sua ações no mercao, destas 73% pertencentes a investidores interneacionais. A Votoramtim pretende instalar uma fábrica de celulose brauqeada no litoral sul do estado, para a produção anual de um milhão de toneladas, o que demandará que aplie suas plantações de árvores em 17 mil hectares todos os anos.

A sueco-finlandesa Stora Enso possui faturamento mundial de US$ 15,6 bilhões, e divide as ações da Veracell, outra empresa do setor que atura no Brasil, com a Aracruz. Pretende impantar um fábriaca já licenciada no Uruguai, no Departamento de Durazno, e outra no Rio Grande do Sul. Para realizar estes planos, já adquiriu 6 milhões de mudas de eucalipto produzidas pela empresa gaúcha Tecnoplanta, de Barra do Ribeiro, no RS, número suficiente para cerca de 3,6 milhões de hectares.

Juntas, e associadas a associações empresariais e de classe, como a Associação Gaúcha de Empresas Flore (staisAGEFLOR) e a câmara de engenharia florestal do CREA-RS, as tr~es empresas formaram um poderoso lobby, atuando nos órgãos de imprensa, de educação, de financiamentos públicos, no CONSEMA, no parlamento estadual e, diretamente, sobre o Governo do Estado do Rio Grande do Sul.

O setor de celulose tem sido presença constante e marcante em todos os meios de imprensa, fornecendo tanto as pautas como anúncios pagos e propaganda missiva. Mais explicitamente, a Aracruz adquiriu ou patrocinou uma série de veículos especializados na área ambiental. No Rio Grande do Sul, um exemplo é o Jornal, boletim eletrônico e sitio da internet do Ambiente Já, que pauta grande parte das coberturas ambientais, e, no nível nacional, a sua destacada presença na revista Página 22, publicação cara e de qualidade destinada ao universo ambiental-empresarial.

Nas escolas, distribuem mudas de árvores, matérias escolares e cartiçlhas de “educação ambiental” em datas comemorativas como O Dia da àrvore, a Seman do meio Ambiente e a Semana Farroupilha (data comemorativa Gaúcha).

Os governos Estadual, através da Caixa RS, e Federal, através do BNDES, liberaram linhas de financiamento facilitado, para valores acima de 150 mil reais, para qualquer pessoa proprietária de terras plantasse árvores exóticas, anunciando as grandes vantagens econômica e, supostamente, ambientais, desta nova oportunidade de negócios. Numa ação inédita no tribunal federal ONGs ambientalistas tiveram ganho de causa numa ação civil pública que condenou estes órgãos de financiamento públicos a se retratarem e publicarem uma contra propaganda que explicasse os riscos sociambientais da atividade, explicando-se e retificando seus materiais de propagando distribuídos anteriormente.

No Conselho Estadual do Meio Ambiente (CONSEMA) as ONGs ambientalistas foram retaliadas. Em 2005, o então Vice-Governador Antonio Holfeldt, destituiu num canetaço a ONG Núcleo Amigos da Terra/Brasil e nomeou, de uma forma autoritária e sem precedentes, a recém instituída “ONG Amigos da Floresta”, criada, conforme seus estatutos, que não definem como ONG ambientalista, para “promover o setor florestal no Eastado”. Este fato foi denunciado pelo Ministério Público Estadual, por tratar-se de violação dos regimento do Conselho, que define a Assembléia Permanente de Entidades de meio Ambiente (APEDEMA) como coletivo legítimo para realizar as indicações da cinco vagas destinada às ONGs ambientalistas, como tem sido feito desde instituição do CONSEMA. Mas foi julgado improcedente pela Justiça Estadual. Assim, os “Amigos da Floresta” seguem fazendo parte da formulação das políticas pública para o meio ambiente em prol de setor da celulose através da sua atuação no CONSEMA. Mais do que isso, em 200, acessou o montande de 200 mil reais do Fundo Estadual Fundeflor, de compesnação ambiental, o qual jamais avia sido disponibilizado para ONGs, para a realização de projetos de “educação ambiental” pró setor “florestal”.

Há uma lista de deputados e políticos gauchos financiados pelas empresas do setor, nas eleições de 2002 e de 2006. Já em 2004 criou-se a frente parlamentar “pro florestamento” na Assembléia Legislativa do RS, coordenada pelo deputado Berfran Rosado (PPS/RS).Em 2006, a Stora Enso convidou e pagou uma viagem de uma dúzia de deputados para a Finlândia, para que pudessem conhecer de perto o desenvolvimento promovido pelo setor da celulose naquele país.

Mas o lobby do setor é poderoso também no nível nacional. A empresa estrangeira Stora Enso, confrontando-se coma lei nacional que defende a faixa de fronteira da compra de terra por estrangeiros, e após já ter criado uma empresa “laranja” para permitir sua expansão comprando terras próximas à fronteira com o Uruguai e Argetina, empenhou-se num lobby para mudar a lei federal, para o que teve apoio pessoal da própria governadora do Estado, Yeda Crusius. A denuncia, encaminhada por ONGs do Estado, chegou ao Conselho Nacional de Segurança, e alertou os setores nacionalistas, já que a manobra implicaria na alteração da proteção da faixa de fronteira em todo o território nacional, inclusive na Amazônia.

Um ponto culminante de todo este processo foi o episódio da intervenção direta das transnacionais da celulose sobre a dispensa da então nomeada Secratária Estadual do Meio Ambiente (SEMA), Vera Callegaro, funcionária de carreira de órgãos ambientais estaduais, e a nomeação de um novo secretario, Otaviano de Moraes, procurador do Ministério Público Estadual, dias após uma sessão de reuniões das empresas diretamente com a Governadora. Para o entendimento desta manobra estratégica, é necessário saber que a FEPAM, órgão executivo da SEMA e portanto defendido pela então secretária, por recomendação do CONSEMA, e conforme o previsto no Código Estadual do Meio Ambiente, havia realizado uma proposta de zoneamento da atividade de silvicultura no Estado a qual delimitava as áreas e a extensão dos maciços de plantações de árvores, desagradando assim às transacionais. O Ministério Público Estadual, apesar de haver flexibilizado o licenciamento e a aplicação do instrumento do zoneamento através de termos de Ajuste de Conduta (TACs) com as empresas, estava atuante na fiscalização da atividade e, portanto, necessitava ser de algum modo intimidado, daí conveniência de um novo secretário vindo do setor jurídico.

Diante desta barbárie da intervenção das transnacionais da celulose sobre as políticas publicas estaduais e a manipulação da opinião publica, acobertada pelos órgãos da imprensa nacional e regional, e dos tímidos embates intelectuais envolvendo as criticas da ONGs e pesquisadores, os movimentos ligados a Via Campesina no Estado realizaram uma ação mais contundente.

Em 8 de março de 2008, um grupo de 2 mil mulheres ligada ao Movimento das Mulheres Camponesas (MMC) ocuparam uma área do viveiro da Aracruz, destruíram mudas de eucaliptos e denunciaram a postura da empresa perante os assentamentos vizinhos às plantações compradas pela empresa e a contradição dos planos de expansão do setor com as perspectivas do movimento para um desenvolvimento sustentável, que inclui a reforma agrária e a prioridade para a produção de alimentos.

A repercussão da ação na imprensa e, consequentemente, na opinião pública foi no sentido de criminalizar o movimento, posto como uma ação de vandalismo, sem que suas razões fossem exploradas. A seguir, a policia agiu de forma autoritária, invadindo e destruindo o escritório dos movimentos sociais em Passo Fundo e um inquérito policial foi instaurado.

Hoje, o inquérito policial segue, foram denunciadas 35 pessoas, cerca de 10 integrantes do MMC, por crimes cujas penas podem chegar a 20 anos de prisão. A justiça também concedeu a quebra do sigilo bancário das pessoas indiciadas. O delegado responsável pelo caso pediu a prisão de 9 pessoas, que foi negado pela Justiça. Atualmente estão sendo interrogadas as acusadas, inclusive 4 estrangeiros integrantes da Via Campesina.

Enquanto isso, os denunciados de invasão e agressão moral e física contra as mulheres, policiais que invadiram a sede do MMC em Passo Fundo, ainda não foram indiciado pela Justiça.

Porto Alegre, 5 de novembro de 2007. Matéria da Zero Hora (Zero Hora /2004 – ver data)

Sobre o pampa: as terras pampeanas ocupam uma área de aproximadamente 700 mil

km², compartilhada pela Argentina, Brasil e Uruguai. No Rio Grande do Sul, se distribuem pela metade sul, abrangendo cerca de 176 mil km², o que equivale à cerca de 60% da área do estado. Entretanto, somente 39% de sua área total ainda é constituída por remanescentes de campos naturais. A região é composta de pelo menos 3.000 plantas vasculares, com 450 espécies de gramíneas e 150 de leguminosas, além de 385 aves e 90 mamíferos , sendo parte destas espécies chamadas endêmicas, pois só ocorrem neste ecossistema. É por isto que os campos pampeanos, na sua composição de flora e fauna, podem ser considerados tão importantes quanto uma floresta tropical para a conservação da biodiversidade planetária. - da cartilha Pampa em Disputa, Amigos da Terra 2007, disponível aqui

Matéria da Zero Hora (Zero Hora 27/09/2005): ver aqui

Noticia disponível aqui

Lúcia Ortiz – Núcleo Amigos da Terra/Brasil

Colaboração de Leandro Scalabrin – Movimento dos Atingidos por Barragens

ALAI, América Latina en Movimiento
2007-11-14

Fuente: ALAI

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