Brasil: "O crioulo é bem melhor que o transgênico". A disputa entre a Via Campesina e a Syngenta Seeds

Idioma Portugués
País Brasil

De um lado, uma das maiores corporações do mundo, a primeira na produção de agroquímicos e a terceira maior companhia de sementes mundial. Do outro lado, os camponeses. Mais do que uma luta por um pedaço de terra, a disputa entre a Syngenta Seeds e a Via Campesina é uma disputa de concepção e cosmovisão de mundo

Noticias da disputa entre SYGENTA E VIA CAMPESINA BRASIL, na area ocupada no parana.

7/2/2007

De um lado, uma das maiores corporações do mundo, a primeira na produção de agroquímicos e a terceira maior companhia de sementes mundial - que detém o maior número de patentes de sementes do gênero terminator. Do outro lado, os camponeses. Mais do que uma luta por um pedaço de terra, a disputa entre a Syngenta Seeds e a Via Campesina é uma disputa de concepção e cosmovisão de mundo.

A reportagem é de Pedro Carrano, do jornal Brasil de Fato, 07-02-2007:

Em Santa Tereza do Oeste, em frente à BR-277, estrada que leva a Foz do Iguaçu, a bandeira da Via Campesina está fincada sobre um chão que já não abriga mais os experimentos com sementes transgênicas da transnacional suíça Syngenta Seeds. A organização ocupou a área da companhia em março do ano passado e hoje colhe a primeira safra de alimentos dentro do modelo de cultivo agroecológico.

No entanto, coincidentemente com a celebração da colheita, o judiciário do Paraná na semana passada resolveu suspender a desapropriação da área, de 127 hectares. Ainda em novembro do ano passado, o governador do estado, Roberto Requião , havia desapropriado o local, apoiado por 170 entidades do país e do exterior, com o intuito de desenvolver um centro de pesquisas de sementes crioulas e de capacitação em agroecologia, de acordo com a proposta da Via Campesina.

Após a recente decisão judicial, as famílias vivem um impasse. "Recebemos várias ameaças de que vão entrar aqui e despejar a gente. Duro de dormir à noite. Temos que conviver com a pressão psicológica. Sai na rádio Capital, de Cascavel (município vizinho) todos os dias ameaças contra a gente", denuncia o agricultor Jonas Gomes de Queiroz.

A razão que levou a Via Campesina a ocupar a área de testes da Syngenta e criar o acampamento Terra Livre, no ano passado, partiu de uma denúncia da organização, investigada e confirmada pelo Ibama. O instituto naquela época apurou que a plantação de milho e soja transgênicos não respeitava a distância mínima de 10 km da chamada Zona de Amortecimento do Parque Nacional do Iguaçu, um dos últimos redutos da biodiversidade na América do Sul.

Diversidade

Na mesma semana de denúncias de aquecimento global no planeta e conseqüente desertificação do solo - fenômeno que tem o carimbo do modelo do agronegócio - a agroecologia aposta na diversificação de culturas, em síntese com a natureza. No Terra Livre, há uma diversificação de plantios para a subsistência das 100 famílias do acampamento: milho, arroz, feijão de vários tipos, abóbora, morango, amendoim, pipoca, girassol, etc, cuja base é o uso da semente crioula ao invés da semente híbrida. "A semente crioula vem desde o tempo dos nossos pais, sem precisar de veneno ou de adubo, é uma semente resistente a qualquer tipo de praga, a híbrida depois de um tempo não produz mais", expõe Jonas.

Quem assina embaixo é a agricultora Eliane da Silva, ao falar sobre o impacto desta prática na sua vida. "Quase tudo mudou. Quando a gente morava na cidade comprava os produtos no mercado e pagava caro. Nós gostávamos de comer feijão preto, mas não comia na cidade pelo preço, agora aqui a gente pode comer todos os dias", comemora. Outra mudança real: "Agora deixamos de comer produtos cheios de veneno", conta.

Os monocultivo de soja predominante nas propriedades em volta da região de Cascavel não deixam de ser uma ameaça constante ao acampamento Terra Livre, de acordo com Jonas. "Plantamos a semente crioula, os outros se quiserem continuar com a híbrida a única coisa é que vão ver que estão presos às empresas. Porém quando o plantio é de transgênicos isso contamina as nossas plantas e na hora de fazer o teste temos que pagar royalties", pondera.

Roberto Baggio , da direção nacional do MST, acredita que a nossa época se caracteriza pela disputa de projetos, com os movimentos camponeses buscando alternativas ao neoliberalismo. Baggio acredita que a área do acampamento Terra Livre é ideal para cultivar um outro modelo de plantio, mostrando que existem alternativas ao sistema destrutivo. "As sementes são a base da sobrevivência humana e não devem ser consideradas mercadoria", defende.

Um dos corações do mundo

José Fernando Piaia, técnico em agropecuária presente no acampamento Terra Livre, explica que a organização do trabalho ali dentro divide-se entre o plantio na área coletiva e outro individual para a subsistência das famílias. As sementes que renderam a primeira safra na verdade são fornecidas por outros acampamentos, enquanto as famílias locais não têm a capacidade de armazená-las.

A produtividade no acampamento respeita os seguintes passos: o primeiro objetivo é o de subsistência para as famílias, logo a autotransformação do alimento em produtos, como o exemplo do leite vendido pelas famílias, e o último passo do processo seria a comercialização dos alimentos que sobram. As sementes se trocam, mas não se comercializam.

No território que Piaia apelida de um dos corações do mundo, é necessário um trabalho no solo para desintoxicá-lo de experiências com transgênicos e agrotóxicos. "Já constatamos a chegada de animas como tucanos na região. Animais que certamente morreriam se tivessem que comer os vegetais plantados antes, com agrotóxicos", comenta.

Questão jurídica

O coordenador da Via Campesina na região oeste do Paraná, Celso Ribeiro Barbosa, afirma que os trabalhadores sem terra trabalham normalmente neste momento. Desde antes da decisão judicial de suspensão da desapropriação da área já haviam decidido sair das margens da estrada e voltar para dentro do antigo campo de experimentos, pois tem recebido ameaças da Sociedade Rural da Região Oeste, que prometeu despejar as famílias. "Vamos continuar a luta para que seja comprada a área e transformada em centro de pesquisa de sementes crioulas", afirmou.

Perguntado se o judiciário teria espaço para atuar diante de um poder econômico como o da empresa Syngenta, Barbosa pensa que cabe ao governo do estado este papel, enquanto o movimento se compromete em denunciar as irregularidades ambientais cometidas.

No dia seguinte à decisão judicial (02 de fevereiro), o governador do Paraná, Roberto Requião, declarou que o governo do estado deve recorrer: "Se a Syngenta fizesse o que fez aqui na Suíça, seu país de origem, todos os seus administradores estariam na cadeia. O governo do estado desapropriou o espaço de uma empresa infratora, evitou um conflito com os movimentos sociais e vê, pelo menos num primeiro momento, sua medida ser derrubada no Judiciário. Na Suíça, não aconteceria isso. Vamos continuar na nossa posição de defesa do interesse público. Vamos recorrer", disse.

Centro de Pesquisa acusa companhia de monopólio

Presente em toda a América Latina, a Syngenta Seeds é a maior corporação de agroquímicos do mundo e a terceira maior companhia de sementes mundial. É também a companhia que mais possui patentes de sementes do gênero terminator (que não se reproduz e gera dependência entre o camponês e a empresa).

De acordo com relatório bienal publicado pela organização mexicana ETC, a transnacional hoje joga com o monopólio da patente do arroz, alimento crucial, parte da refeição de pelo menos um terço da humanidade. Por extensão, tal monopólio sobre a cadeia genética do arroz abrangeria outros 40 cultivos.

"Se Syngenta não tem intenção de monopolizar os genomas de arroz e outros cultivos, a companhia deve retirar de imediato seus reclames de patentes ante a oficina européia de patentes e aclarar publicamente sua política relativa ao patenteamento de seqüências genômicas", escreve o relatório da ETC.

O relatório ainda faz uma leitura da relação entre o ganho de valor das sementes transgênicas no mercado e o cotidiano dos camponeses. "A consolidação da indústria de sementes significa menos competição, resulta em menores opções para os agricultores e maior vulnerabilidade para as comunidades camponesas e para a segurança alimentar global", descreve.

Cronologia

8 de março de 2006. O Ibama encontra soja e milho transgênico em 14 áreas entre as 18 denunciadas na região do Parque Nacional do Iguaçu.

14 de março de 2006. Área de experimentos da Syngenta é ocupada por cerca de 800 integrantes da Via Campesina.

16 de março. A Syngenta consegue na Justiça a reintegração de posse da área.

21 de março. A transnacional foi multada pelo Ibama em R$ 1 milhão por crime grave contra a biossegurança, ao plantar milho e soja transgênicos na zona de amortecimento do Parque Nacional do Iguaçu.

19 de maio. Funcionários da Syngenta Seeds recolheram 12 hectares de soja e 1 hectare de milho transgênico no campo experimental da multinacional.

Outubro de 2006. O poder Judiciário local determinou a desocupação da área e o pagamento de multa de 50 mil reais ao estado do Paraná, por dia de descumprimento, caso o governador não fizesse o despejo.

13 de novembro. O governador do Paraná Roberto Requião (PMDB) anuncia a desapropriação por interesse público da área de 127 hectares da transnacional suíça Syngenta Seeds.

Comentarios

23/03/2007
sementes crioulas e trangênicas, por clovis da silva moreira
sou um camponês formado em agronomia e militante da via campésina na minha região ( vale do rio doce - MG).
vanho pedir-lhes q/ envie ao p/ eu fotos de como se produtos adaptados à trangenia e fotos de sementes crioulas no sentido de repassar p/ a companheirada da região.
atenciosamente,
clovis da silva morerira