Carta aberta pelo direito às sementes, à agrobiodiversidade e contra as tecnologias de restrição de uso (Terminator)

"Hoje, com a evolução dos transgênicos, as empresas desenvolveram um tipo de transgenia que permite o controle total e absoluto das sementes pelas companhias, fazendo com que os agri­cultores e mesmo os grandes produtores fiquem reféns das multinacionais para poder obter suas sementes. A esse novo tipo de transgênico se chama de Terminator."

O deputado Cândido Vacarezza (PT-SP) apresentou o PL 5575/09, em 2009, que prevê a liberação das sementes Terminator no Bra­sil.

A tecnologia Terminator (que quer dizer “exterminador” em inglês) se refere a modificações ge­néticas feitas nas plantas para produzir sementes estéreis, ou seja, que não se reproduzem.

A Campanha Por um Brasil Ecológico e Livre de Transgênicos fez uma denúncia de que o arquivo que está disponível no site da Câmara dos Deputados com a proposta do PL tem como origem o computador de uma das advogadas da empresa Monsanto.

Foi lançada um moçã contra a aprovação desse projeto pelas entidades e os 4.000 participantes da 10ª Jornada de Agroecologia do Paraná, como agricultores familiares e camponeses, assentados de reforma agrária, povos e comunidades tradicionais, reunidos em Londrina entre os dias 21 e 25 de junho.

Abaixo, leia a moção.

CARTA ABERTA PELO DIREITO ÀS SEMENTES, À AGROBIODIVERSIDADE E CONTRA AS TECNOLOGIAS DE RESTRIÇÃO DE USO (TERMINATOR)

As sementes são o maior patrimônio dos agricultores. São a base para a produção agrícola, por­tanto para a alimentação de qualquer nação. Durante dez mil anos, comunidades de agricultores, indígenas e povos tradicionais melhoraram e multiplicaram suas sementes livremente, fazendo da troca de sementes um momento de união e partilha entre povos e nações.

Não é por outro motivo que tratados internacionais como o Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura - TIRFAA (art. 5, 6 e 9), e a Convenção da Diver­sidade Biológica – CDB (art. 10c e 8j) protegem e incentivam o empoderamento das práticas comuns como armazenamento, troca, venda e melhoramento de sementes on farm (nas unidades produtivas) pelos agricultores, ações fundamentais para a conservação da biodiversidade e da agrobiodiversidade dos países.

Somente nos últimos 40-50 anos é que as sementes se tornaram um grande negócio. Pequenas mudanças feitas pelas multinacionais podem ser patenteadas, e as sementes, que sempre foram de livre intercâmbio, passaram a ser privatizadas e passaram das mãos dos agricultores, portanto dos cidadãos de cada país, para as mãos das grandes empresas.

Hoje, com a evolução dos transgênicos, as empresas desenvolveram um tipo de transgenia que permite o controle total e absoluto das sementes pelas companhias, fazendo com que os agri­cultores e mesmo os grandes produtores fiquem reféns das multinacionais para poder obter suas sementes. Nosso alimento passará a ser controlado por 4 ou 5 empresas que dominam mais de 60% do mercado mundial de sementes. A esse novo tipo de transgênico se chama de Terminator.

A tecnologia Terminator (que quer dizer “exterminador” em inglês) se refere a modificações ge­néticas feitas nas plantas para produzir sementes estéreis, ou seja, que não se reproduzem. No meio científico, essa tecnologia é chamada de GURTs, que é a sigla em inglês para “Tecnologias Genéticas de Restrição de Uso”. Desse modo, há um controle biológico do uso próprio, já que a semente que é guardada da colheita de uma variedade com tecnologia Terminator não poderá ser usada para plantio na safra seguinte, pois esta não germinará, ela está morta.

Quais as possíveis consequências dessa tecnologia?

Um Grupo Técnico de Especialistas contratado pelas Nações Unidas avaliou os impactos poten­ciais das GURTs sobre agricultores familiares, camponeses e comunidades tradicionais e concluiu que elas se caracterizam como uma forte ameaça à garantia da soberania e à segurança alimentar dessas comunidades.

Entre os impactos da tecnologia Terminator abordados no Relatório, destacam-se que pode:

• Reduzir e limitar as práticas tradicionais de intercâmbio de sementes;

• Reduzir a capacidade de inovação e o conhecimento local das comu­nidades sobre melhoramento de plantas;

• Reduzir ou afetar negativamente a agrobiodiversidade local, resultan­do na deterioração dos sistemas tradicionais de conhecimento;

• Levar à dependência de sementes ou a perdas de cultivos;

• Causar, de maneira irreversível, alterações ambientais negativas resul­tantes do cruzamento entre variedades Terminator e plantas normais.

A mais nova justificativa para a necessidade de empregar tecnologias genéticas de restrição de uso é sua utilização como uma “medida de biossegurança” para evitar a contaminação de plantas convencionais ou agroecológicas por variedades transgênicas.

Essa proposta é particularmente perversa, pois pode desenhar o seguinte cenário para as comuni­dades de agricultores familiares e camponeses: caso admitamos que não haveria continuidade na contaminação, o fato é que na primeira geração há contaminação, e o agricultor convencional ou orgânico contaminado perderia suas sementes dali pra frente, pois já estariam contaminadas pelo Terminator. Ou seja, se, por um lado, a contaminação não prosseguiria, é porque as sementes do agricultor contaminado também teriam se tornado estéreis.

Por essas e outras motivações, os 193 Países-Parte da Convenção da Diversidade Biológica es­tabeleceram uma moratória internacional à tecnologia Terminator ou de restrição de uso, através da Decisão V/5, em 2000. Essa moratória vem sendo renovada nas COPs, e sua manutenção foi apoiada pelo governo brasileiro nesta última COP 10 ocorrida em Nagoya, conforme manifestação da Divisão de Meio Ambiente do Itamaraty, Aviso nº 10/DEMA/CGFOME/AFEPA/SEAN BRAS, de 23/04/2010.

Como está a situação do Terminator no Brasil?

Atualmente, a Lei de Biossegurança proíbe “a utilização, a comercialização, o registro, o patente­amento e o licenciamento de tecnologias genéticas de restrição do uso” (art. 6º, lei 11.105), que envolvam a geração de estruturas reprodutivas estéreis ou a ativação ou desativação de genes relacionados à fertilidade das plantas por indutores químicos externos.

Mesmo sob o peso da moratória internacional e diante da atual proibição nacional, dois Projetos de Lei no Congresso tentam liberar as sementes Terminator no Brasil. O PL 268/07, originalmente apresentado pela hoje senadora Kátia Abreu (DEM-GO), e hoje de autoria do deputado Eduardo Sciarra (DEM-PR).

Em 2009, o deputado Cândido Vacarezza (PT-SP), que nunca atuou no campo da agricultura, apresentou o PL 5575/09, que prevê a liberação das sementes Terminator no Bra­sil. Ano passado, a Campanha Por um Brasil Ecológico e Livre de Transgênicos fez uma denúncia informando que o arquivo que está disponível no site da Câmara dos Deputados com a proposta do PL tem como origem o computador de uma das advogadas da empresa Monsanto! Evidenciados os claros interesses que estão por trás da aprovação desse Projeto de Lei!

Esse Projeto de Lei foi muito questionado na sua tramitação na Câmara, e agora se propôs a cria­ção de uma comissão especial para agilizar sua tramitação. Quando se cria uma comissão especial, o PL tramita em regime de prioridade, ou seja, diminui das 40 sessões da tramitação ordinária para 10 sessões apenas!

Nós, cerca de 4.000 participantes da 10ª Jornada de Agroecologia do Paraná, sujeito coletivo composto por agricultores familiares e camponeses, assentados de reforma agrária, povos e comu­nidades tradicionais, organizações da sociedade, movimentos sociais de luta pela terra e reforma urbana, reunidos em Londrina-PR entre os dias 21 e 25 de junho de 2011, por uma Terra Livre de Transgênicos e sem Agrotóxicos, pela conquista de um Projeto popular soberano para a Agricultu­ra Camponesa e Familiar, fundado na agroecologia, propomos aos poderes Executivo e Legislativo Federais:

• Que o Governo Brasileiro proíba a utilização de qualquer tecnologia genética de restrição de uso, mantendo o texto da Lei de Biossegurança (11.105/05) que já trata do tema;

• Que o Governo Brasileiro tenha uma posição firme e clara na Convenção da Diversidade Biológica na manutenção da moratória internacional às tecnologias genéticas de restrição de uso (GURTs), garantindo, como Estado-Parte da CDB, que a moratória também se aplica no Brasil;

• Que o Congresso Nacional rejeite os PLs 5575/09 e 268/07 que tramitam na casa, e que os se­nhores deputados Cândido Vacarezza (PT-SP) e Eduardo Sciarra (DEM-PR) arquivem esses PLs da pauta do Congresso, respeitando a moratória internacional à tecnologia Terminator e garantindo a soberania nacional em relação ao uso e reprodução das sementes, a segurança e soberania alimen­tar dos povos, e os direitos dos agricultores, povos indígenas, povos e comunidades tradicionais ao livre uso da biodiversidade e da agrobiodiversidade.

Fuente: MST-Brasil

Temas: Transgénicos

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