Brasil: trabalho escravo no corte de pinus: mais 14 libertações
Denúncias levaram Procuradoria Regional do Trabalho na 4ª Região (PRT-4) a organizar operação fiscal no extremo Sul do país. Além do uso da madeira, resina do pinus é utilizada em produtos variados como xampus e chicletes
Flagrantes de trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão no corte de pinus têm sido frequentes na Região Sul. Denúncias levaram membro da Procuradoria Regional do Trabalho na 4ª Região (PRT-4) a organizar operação fiscal em São José do Norte (RS), município que fica no litoral sul do Estado do Rio Grande do Sul, no extremo Sul do país.
A operação foi concluída com saldo de 14 pessoas libertadas. Um adolescente de 16 anos estava entre os escravizados. A comitiva foi composta pelo procurador Luiz Alessandro Machado, por três auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e três agentes da Polícia Federal (PF).
"Como a equipe era pequena, decidimos averiguar somente duas propriedades, onde provavelmente os trabalhadores estavam sujeitos às piores condições de trabalho", detalha o procurador do trabalho Luiz Alessandro, da PRT-4, que articulou a ação de 13 a 19 de agosto.
A primeira fiscalização libertou nove trabalhadores: três deles subordinados a Cleber Vieira Rosa Ltda e seis a Valnei José Queiroz. Os empregados foram aliciados pelo "gato" (intermediário) Airton Silva dos Santos, conhecido como "Cenoura", que também trabalhava com as demais vítimas.
O outro "gato" Selmar da Rosa Machado, conhecido como "Sessé", recrutava trabalhadores tanto para Cleber como para Valney. Os empregados utilizavam a água de uma lagoa para beber, tomar banho e cozinhar.
Na outra propriedade foram encontrados cinco empregados em condições de escravidão, incluindo um adolescente de 16 anos. Localizada às margens da Lagoa dos Patos, a área pertence à Serraria De Bona & Marghetti. O dono Janir de Bona Marghetti contratou Márcio Miquéias Martins para arregimentar os trabalhadores. "Inicialmente Márcio se apresentou como empregador, mas constatamos que ele era apenas um intermediário", explica Luiz Alessandro.
Em ambas as propriedades, os empregados dormiam em barracos feitos de restos de madeira e lona. Não havia instalações sanitárias. Alguns trabalhadores não tinham nem a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), que foi expedida pelos auditores do MTE. "O tempo de serviço dos trabalhadores variava muito: o mais antigo tinha 1 ano e 8 meses na propriedade da serraria De Bona & Marghetti; os outros, alguns meses ou dias", diz Luiz Alessandro, integrante do Ministério Público do Trabalho (MPT).
Alimentos superfaturados eram comprados em estabelecimento indicado pelos "gatos" e depois descontados dos pagamentos. Por causa das dívidas, empregados ficavam sem receber. Foram lavrados 34 autos de infração.
Milhares de hectares de plantações da espécie pinus heliotis se espalham pela região em que se deu a ação. Além da indústria de extração de madeira, a matéria-prima também é utilizada para a produção de resina utilizada na composição de outros produtos variados como xampus e chicletes.
Os três empregadores assinaram Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), proposto pelo MPT. Também foram pagos os valores referentes às verbas da rescisão trabalhista e multa por dano moral individual. A multa por dano moral coletivo foi revertida em material para uma campanha que explicará o que é trabalho degradante em jornais do Rio Grande do Sul.
Em caso de descumprimento das cláusulas dos TACs, empregadores terão de pagar multa de R$ 10 mil por cada item descumprido e R$ 3 mil por cada trabalhado prejudicado. "A região é uma das mais pobres do estado, o que, embora não justifique, contribui à exploração dos trabalhadores. O poder público não se faz presente na região, o único órgão público federal é o Ibama [Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis, até por conta do Parque Nacional da Lagoa do Peixe]", contextualiza Luiz Alessandro.