Brasil: Veracel. Um histórico de agressão ao meio ambiente, corrupção e ameaças

Idioma Portugués
País Brasil

O Promotor de Justiça João Alves da Silva, da comarca de Eunápolis (BA), em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, 14 a 20 de agosto 2008, destaca os danos socioeconômicos e ambientais que a monocultura do eucalipto levam à região do extremo sul da Bahia. Acusa ainda a empresa de celulose Veracel de praticar corrupção para obter licenciamento ambiental sem estudo obrigatório

Eis a entrevista.

O que o MPE tem investigado sobre o envolvimento da empresa Veracel com funcionários de órgãos públicos do Estado?

Além das investigações sobre a degradação ambiental, o MPE está buscando a responsabilização criminal de integrantes de órgãos ambientais licenciadores, que favorecem empresas como a Veracel em negociatas. Esses órgãos devem responder criminalmente porque o ato deixa de ser apenas ilícito ambiental para ser ilícito penal. Mais preocupante que a degradação ambiental é o fato de que aqueles que estão em cargos relevantes e que deveriam proteger o meio ambiente estão corrompidos. Atuam numa organização criminosa para o favorecimento dessas empresas. Temos indícios de crimes por parte de membros de órgãos licenciadores, que cometem seus atos de corrupção e depois querem se escudar atrás do órgão.

Quais crimes já foram apurados pelo inquérito?

Identificamos uma atuação do Centro de Recursos Ambientais (CRA), que já foi tida como improbidade. A Veracel degradou uma área em regeneração. O Ibama constatou, lavrou o auto e, para se encobrir, a Veracel fez a chamada autodenúncia, ou seja, confessou o crime na expectativa de que fosse "perdoada". Apenas a ação de degradação faria com que a Veracel tivesse seu licenciamento caçado. Nessa situação se justificaria uma penalidade, até para efeito de um termo de ajustamento de conduta, para que eles recompusessem a área degradada com uma proteção muito maior do que o dano ambiental causado. Mas ocorreu o contrário. O próprio infrator fez o termo de ajustamento de conduta. A Veracel entregou, no CRA, a proposta de regenerar apenas 50% da área. Essa ilegalidade foi homologada. É um ato considerado de improbidade do CRA e eles estão respondendo por isso. E vão responder criminosamente mais tarde.

Há exemplos de outros crimes?

Outro crime apurado foi a sonegação de impostos fiscais e a corrupção. Há um caso de corrupção envolvendo a empresa que era prestadora de serviços para a Veracel, a Multiplus, que foi favorecida no processo de licitação. Como contrapartida, um ex-diretor da Veracel e até um secretário de Estado receberam dinheiro da Multiplus.

Que outros fatos demonstram a vinculação do poder Executivo e Legislativo à Veracel?

Essa relação [de favorecimentos ilegais] já começa errada quando a empresa favorece a campanha da maioria desses políticos, colocando-os no bolso, não apenas durante o processo eleitoral, mas eternamente, pois uma vez vendido na campanha política já passa a integrar o acervo patrimonial dessas empresas. Nós temos casos de compra de votos de vereadores. Houve um caso recente em que um vereador criou um projeto de lei para limitar a distância mínima do plantio de eucalipto com relação ao centro urbano. Já estavam fazendo lobby antes da votação do projeto: emissários da Veracel foram, ainda, procurar os vereadores para oferecer ajuda em campanha política caso eles votassem contrários ao projeto. Isso foi apurado em inquérito civil de improbidade pelo promotor Dinalmari Mendonça Messias. O abuso do poder econômico e a corrupção chegam a esse ponto. Ao invés de fazer a legislação para proteger o município, estão vendendo o município. O que ocorreu de mais grave foi a manipulação de conselhos municipais, como o do Meio Ambiente, ao longo dos anos, pela infiltração de gente que era funcionário da Veracel e que comprava terra em nome da empresa. Esse foi o caso de Luis Scoton, procurador da empresa, infiltrado como secretário do Meio Ambiente e presidente imposto do conselho para licenciar terras que ele mesmo comprou.

Diante do que foi investigado e tendo em vista o apontamento da duplicação da Veracel, qual será a atuação do MPE?

O MPE deve partir para uma apuração de natureza criminal, porque o servidor público tem como obrigação maior se pautar pelos princípios da moralidade e legalidade. O inquérito ainda está em investigação e será desdobrado em vários procedimentos. Mas o ponto específico que quero dar logo um pontapé inicial é a questão de obrigar o Estado a fazer o zoneamento econômico ecológico, pois é essencial. Nem quando a Veracel chegou ao Estado foi feito um zoneamento econômico ecológico para se avaliar os impactos em relação a outras culturas que propiciam a sustentabilidade do município. E uma recomendação para o CRA é que se abstenha de continuar licenciando indiscriminadamente enquanto esse zoneamento não for realizado, sob pena de instaurar procedimentos de ordem criminal e de improbidade administrativa, porque isso passa para uma atuação claramente ilícita, como já ocorreu. Para a duplicação da Veracel, já está tudo arrumado. Já foi trabalhado todo mundo no Conselho Estadual de Meio Ambiente (Cepram), no CRA, no governo do Estado da Bahia, para poder deferir, mesmo com a existência de uma condenação na Justiça Federal que diz que tudo que fizeram foi ilícito e tem que ser anulado.

As áreas plantadas de eucalipto da Veracel estão ocupando áreas de plantio de alimentos?

Há estimativas oficiais do IBGE que demonstram isso, mas não acompanham o ritmo da degradação. Há dados que demonstram que certas culturas de subsistência nem mais existem no município (Eunápolis); a área de plantio de feijão, por exemplo, se restringiu a apenas 20 hectares. É uma coisa absurda pensar que produtos de subsistência e até áreas pastagem para criação de bovinos têm se reduzido por conta do plantio de eucalipto. Outra questão que influi diretamente é que a área plantada da Veracel também inclui as áreas de fomento e até fomento clandestino, que ainda não receberam licenciamento para plantio. Tem gente que está como testa de ferro comprando terras, não apenas para o plantio, mas para outras negociações, como permutas. Por exemplo, a Veracel tem interesse em uma terra para o seu empreendimento dela, mas o dono não quer vender. Então, ela o convence permutando. Mostra as fazendas que tem como sobressalentes e a pessoa pode escolher a terra em outra região. No final, a pessoa corre daqui para ser engolida na frente, pois certamente será plantado eucalipto lá também. Isso impede empreendimentos voltados para o cultivo de subsistência.

Que outros impactos a empresa causou na região?

Outro impacto é que a Veracel chegou a inflacionar o valor de terra hoje. É inviável comprar uma terra no município, pois nenhuma atividade agrícola, a não ser desse porte, dá retorno compatível com esse preço. E se não bastasse comprar todas as terras, ainda está entrando nas devolutas, invadindo terras de posseiros. Tomei depoimento de um senhor que tinha uma posse de terra e que, voltando de viagem, a área dele, de 30 alqueires, estava ocupada por eucaliptos. Ele foi procurar o pessoal da Veracel e tentaram enrolar dizendo que não era plantio deles. Quando ele disse que iria procurar a Justiça para ver seus direitos, em tom ameaçador, eles disseram que ele deveria tomar cuidado com o que iria fazer, já que estaria cometendo um equívoco ao buscar seus direitos. Outro fato é que aumentou muito a violência no município por causa desse processo. Isso pode ser percebido pelo levantamento do êxodo rural. São poucas as pessoas que ainda estão no campo. As famílias que ainda vivem nas pequenas propriedades estão sendo visitadas por gente que se traveste de assistente social, patrocinados, num processo de lavagem cerebral, para que se venda a terra e vá para a cidade. Essa empresa tem um processo predatório. Onde ela compra terra, derruba tudo, derruba casas, currais, para que não tenha vestígio de moradia de pessoas.

Quando o inquérito será encaminhado para a Justiça?

O mais breve possível. Também estamos em atuação com a Procuradoria da República, pois, no caso do zoneamento, é de responsabilidade do Ibama. Pela omissão, o órgão federal é conivente. Outro ponto de interesse da União é tratar das terras devolutas, pois são do Estado, o que justifi ca atuação do Procurador da República. Agora é o momento de união de todos e uma abertura de visão. O nosso grande problema não é a degradação ambiental, dilapidação, evasão de recursos. Isso é conseqüência. A base de tudo está na corrupção, no favorecimento, na prática de crime organizado. Hoje o que a gente vivencia na crise ambiental é uma crise moral, institucional. Tudo isso vem acontecendo porque as pessoas são inidôneas. Elas caminham de uma forma ágil, célere, enquanto as medidas e os resultados daquilo que fazemos durante meses e anos se tornam inócuos diante da celeridade como eles se articulam e degradam.

Instituto Humanista Unisinos, Internet, 19-8-08

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