Em 100 anos de destruição da BUNGE no Brasil ela perde pela primeira vez por 3 a 0
O Tribunal Regional Federal, da 1ª Região, decidiu que a Bunge não pode continuar a usar lenha em seus fornos nas instalações industriais de processamento de soja que mantém em Aruçuí, Piauí, e, com essa determinação, deve parar de provocar a devastação do Cerrado piauiense.
Essa decisão, tomada em reunião nesta quarta-feira, dia 5, foi recomendada pela relatora do processo, Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida e acompanhada por unanimidade pelos membros da 5ª Turma, e se deu com base no processo judicial movido pela Fundação das Águas do Piaui -Funáguas em 2003, inconformada por ter sido alijada unilateralmente pelo Ministério Público local do acordo firmado com a referida empresa.
A Fundação entende que é inadequado e deixa de proteger o meio ambiente o conteúdo do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), feito à sua revelia pois era parte do processo, assinado entre a Bunge, o Ministério Público do Piauí e o Ministério Público Federal, em que a Bunge prometera procurar novas fontes de energia.
Mais grave que na Amazônia
A relatora, ao decidir, explicitou a gravidade da retirada da vegetação original no Estado do Piauí, o que tem causado extensos impactos ambientais. Pontuou a julgadora que no caso do Estado do Piauí, segundo imagens captadas por satélite, há ameaça de desertificação.
Disse a magistrada que o fato de serem outras fontes mais onerosas não deve levar a Bunge a desconsiderar a necessidade de buscar outras alternativas de matrizes energéticas. O próprio Ministério Público Federal apresentou outras fontes menos danosas ao meio ambiente, como o gás liquefeito de petróleo e o coque verde do petróleo.
Acrescentou ainda a desembargadora que não é aceitável o desmatamento do Cerrado piauiense sob o argumento de que as empresas criam empregos, podendo elas procurarem por alternativas que são economicamente sustentáveis e ao mesmo tempo não-devastadoras do meio ambiente.
Explicou a Funaguas que as atividades realizadas pela empresa estariam devastando o Cerrado, em razão da retirada da vegetação original. Afirmou ainda que os Estudos de Impactos Ambientais (EIA) apresentados pelas empresas estariam falhos e que, mesmo assim, as licenças foram concedidas. Que não concordou com os termos do TAC e que nada até hoje foi feito para cumprir a promessa da empresa de alimentos de procurar novas fontes energéticas e, assim, abandonar a lenha como fonte.
Ao final, a Desembargadora determinou a desconstituição do TAC, a suspensão na utilização de lenha pela empresa como matriz energética.
Anulou, ainda, a sentença de 1º grau e ordenou a volta do processo ao juízo de origem para a realização de perícia sobre os danos ambientais e conseqüente prolação de sentença de mérito.
O Outro lado
A assessoria da Bunge informa que, "A Unidade de Uruçuí compra lenha de desmatamento AUTORIZADO pelo Ibama, e representa somente entre 4% e 5% de toda a lenha disponível pelo desmatamento autorizado pelo Ibama para uso alternativo do solo. O restante, mais de 90%, é queimado a céu aberto ou vai para as carvoarias da região.
Simultaneamente, baseada em sua política de sustentabilidade, a empresa possui um Programa de Fomento de Florestamento de Eucalipto. O objetivo é atingir 100% de sua matriz energética de fontes renováveis até 2010. Este projeto foi estudado e analisado, tendo o reconhecimento da SAVCOR/INDUCOR como a melhor alternativa de matriz energética atualmente."
A instalação da unidade processadora de soja da Bunge em Uruçuí, ao sul do Piauí, foi polêmica desde seu início. Como toda empresa no Brasil, buscou beneficiar-se do maior volume possível de incentivos, jogando um pouco com a "guerra fiscal" entre estados da Federação, no caso entre Maranhão e Piauí.
A opção de fonte energética para a unidade foi a mais primitiva que se pode imaginar: para plantar soja, vai haver desmatamento e, com isso, lenha à vontade. Só que nem sempre isso é verdadeiro, pois o desmatamento para plantar tem processo diferente do para produzir lenha, menos cuidadoso e gerando matéria prima com muito mais impurezas.
Para não se envolver diretamente com a questão, polêmica em si mesma, a Bunge terceirizou a compra de lenha, lavando as mãos.
A turma de ambientalistas da Funáguas, liderada por Judson Barros, não aceitou a devastação do Cerrado nativo "em troca do desenvolvimento" que a poucos favoreceria, entrou na briga e, entre outras coisas conseguiu demonstrar que a empresa terceirizada apresentava notas de compra de lenha oriundas de regiões muito distantes, que a tornariam antieconômicas, o que sugeria "esquentamento" de lenha ilegalmente desmatada na região.
Com relação à explicação da Bunge, de que compra apenas lenha legalmente autorizada pelo Ibama e incentiva o plantio de eucaliptos para seu uso futuro, ressalto que parte da lenha fornecida à Bunge por seus fornecedores - ela nada compra diretamente do dono da terra - tem origem que merece ser analisada com mais cuidado. Quanto a retirar a cobertura vegetal natural do Cerrado e substituí-la por florestas plantadas de eucaliptos, já há muito tempo foi cunhada uma expressão que espelha o seu resultado, e dispensa explicações mais detalhadas: "Deserto Verde".
Cerrado + Piauí: repercussão Zero
"Comentário do editor: Biomicídios consentidos
A Desembargadora Selene, do Tribunal Regional Federal, 1ª Região, proferiu importante decisão -no que foi acompanhada pela unanimidade de seus colegas - buscando fazer justiça e evitar que continue a devastação do Cerrrado Piauiense para ser queimado como lenha em caldeiras industriais. A notícia saiu em poucos sítios na Internet, entre os quais este Observatório. Nos jornalões, nada. Mas é querer muito, não? juntar a pouca importância dada pela sociedade brasileira -que naturalmente reflete-se na mídia nacional - ao bioma Cerrado e a um dos estados mais pobres da Federação.
O Cerrado está aí pronto para ser destruído para aumentar a produção de grãos para a exportação (seja "in natura", farelo e óleos, seja agora em forma de carnes), para produzir o etanol em uma pseudo-salvação do planeta pelos neo-heróis do presidente da República. O governo só tem sensibilidade para o que pode afetar sua imagem internacional, por isso fica cheio de "não-me-toques" se o assunto tem "griffe" internacional, como é o caso da Amazônia, e presta alguma atenção quando é "griffe" nacional, como a Mata Atlântica. Aí, não pode derrubar uma só árvore... Até vale inventar uma realidade que não existe, como não haver produção de etanol na Amazônia.
Enquanto isso, o "correntão" come solto no Cerrado, cada semana mais e mais trabalhadores são encontrados em condições de trabalho similares a servidão forçada, até trabalhador marcado a ferro quente "por dono de gado e gente" (alguém se lembra de "Disparada"?) ainda temos por aí.
Resta esperar que a Justiça brasileira crie uma jurisprudência baseada no voto da 5ª turma do TRF-1ª Região, onde a Desembargadora Selene Maria de Almeida alerta que a situação do Cerrado no Piauí, em termos relativos, é muito pior que o desmatamento da Amazônia.
Só não vê quem não quer..."
Fonte: Observatório do Agronegócio