Brasil: pedido de importação de milho transgênico racha CTNBio
Antes mesmo da primeira reunião do ano, marcada para fevereiro, os diferentes grupos da Comissão já travam disputa política nos bastidores. Substituição de 12 conselheiros em fim de mandato, inclusive o atual presidente, também promete acirrar os ânimos
RIO DE JANEIRO – Órgão responsável por tomar decisões sobre a liberação comercial dos transgênicos no Brasil, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) começa 2008 como terminou 2007: em total desarmonia interna. A divisão política entre o grupo de conselheiros com atuação orientada pelas empresas do setor de biotecnologia e um outro grupo identificado com as concepções do movimento socioambientalista marcou o ano passado com um impasse traduzido em dezenas de liminares e batalhas judiciais. O resultado dessa disputa foi que nenhuma liberação de transgênico, mesmo se aprovada pela Comissão, seguiu adiante em 2007.
Para o ano novo, novas brigas já estão programadas antes mesmo da primeira reunião da CTNBio, marcada para meados de fevereiro. A principal delas diz respeito a um pedido de importação de dois milhões de toneladas de milho transgênico, proveniente da Argentina, que seria utilizado como ração animal. O pedido foi apresentado no fim do ano passado à CTNBio por um pool de criadores formado pela Associação Brasileira dos Criadores de Suínos (ABCS), pela União Brasileira de Avicultura (ABA), pelo Sindicato Nacional da Indústria de Alimentação Animal (Sindirações) e pela Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs).
Na última reunião do ano passado, o presidente da CTNBio, Walter Colli, chegou a colocar o pedido de importação do milho transgênico para ração animal na pauta de votações da Comissão em regime de urgência, mas voltou atrás após acatar orientação do Departamento Jurídico do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). O Ministério Público Federal também recomendou à CTNBio que não votasse o pedido feito pelos criadores, sob pena de “incorrer em ato de improbidade administrativa” e “descumprir a liminar que suspende as liberações comerciais de transgênicos até a criação de regras de coexistência e de monitoramento pós-comercialização”.
Para completar, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), ligada ao Ministério da Agricultura, informou que não há falta de milho para ração animal nos estoques nacionais e que, portanto, a importação do milho argentino não se faz necessária: “Querem fazer um movimento especulativo de mercado. Tem gente que está segurando o milho para vendê-lo mais caro depois”, disse o presidente da Conab, Wagner Rossi.
Diante de tanta pressão sobre a CTNBio, Colli decidiu remeter o pedido de importação do milho argentino ao Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), formado por 11 ministérios. Essa iniciativa também já é questionada por alguns membros da própria Comissão, pelo Ministério Público e pelas organizações que compõem a Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos: “Já foi enviada uma notificação à Casa Civil alertando que nenhuma decisão pode ser tomada no conselho de ministros”, afirma Gabriel Fernandes, um dos dirigentes da Campanha.
No documento enviado à ministra Dilma Rousseff, as organizações do movimento socioambientalista afirmam que, de acordo com a Lei de Biossegurança, “a competência para decidir sobre importações é dos órgãos de registro e fiscalização, como Ibama, Anvisa e Ministério da Agricultura. Estes, por sua vez, não decidem sobre a biossegurança dos produtos a serem importados, já que esta seria a função da CTNBio”.
Sem habilitação
O documento afirma que “o pedido de importação protocolado na CTNBio equivale então a um pedido de liberação comercial”, e argumenta que “não cabe ao CNBS analisar a conveniência e/ou oportunidade do pedido de importação, uma vez que questões prioritárias de biossegurança, como a elaboração de normas de coexistência e de monitoramento de Organismo Geneticamente Modificado (OGM) ainda não foram resolvidas”. As ONGs lembram também que “o CNBS ainda está impossibilitado de analisar o pedido em virtude da decisão judicial vigente por conta das diversas irregularidades constantes do pedido que impedem a análise de seu mérito e pela ausência de autorização válida de liberação comercial de milho transgênico no Brasil”.
Outra irregularidade no processo apontada pelo movimento socioambientalista é que nenhuma das associações de criadores de aves e suínos que solicitaram a importação do milho transgênico argentino possui o Certificado de Qualidade de Biossegurança (CQB), documento que, segundo a Lei de Biossegurança, “é indispensável para o desenvolvimento de atividades com OGMs e seus derivados em laboratório, instituição ou empresa”.
“Em resumo: as empresas não estavam habilitadas, o pedido de importação foi feito de forma errada e encaminhado para o órgão errado”, enumera Fernandes, para acrescentar: “A gente se pergunta, diante disso, qual o rigor dos procedimentos adotados pela CTNBio, uma vez que foi tão longe um processo cujas empresas requerentes sequer estavam habilitadas a executar o pedido. A secretaria-executiva da Comissão chegou a publicar Extrato Prévio no Diário Oficial da União e seu presidente decidiu pela tramitação em regime de urgência! É um absurdo”, diz.
Dança das cadeiras
Outra batalha programada para este início de ano entre os setores pró e contra a liberação facilitada dos transgênicos na CTNBio diz respeito à substituição de doze conselheiros da Comissão que estão terminando seu mandato, entre eles o presidente Walter Colli. As organizações do movimento socioambientalista e o Ministério Público já manifestaram sua preocupação com o processo de indicação dos novos conselheiros, que será conduzido pelo MCT: “Ainda estamos sem saber se o processo de escolha se dará de forma transparente, com a participação da sociedade civil, ou se o MCT vai simplesmente pescar alguns iluminados no meio científico sem consulta prévia”, diz Gabriel Fernandes.
Na última reunião da CTNBio em 2007, já em tom de despedida, Colli falou das inúmeras liminares e batalhas judiciais que dificultaram o andamento dos trabalhos da Comissão durante o ano, afirmando que não fora por culpa dele, e sim da Justiça, que nenhum transgênico foi liberado. A resposta do setor adversário foi dada por Paulo Brack, professor da UFRGS: “Os questionamentos feitos à CTNBio não partem só do Ministério Público e das ONGs e nem são só sobre os procedimentos da Comissão. Há também divergências de mérito e que da mesma forma têm impedido as liberações comerciais, como são os recursos do Ibama e da Anvisa, que questionam as análises da CTNBio do ponto de vista científico”, disse.
Maurício Thuswohl