Brasil: florestas saqueadas

Idioma Portugués
País Brasil

Com uma variedade de espécies de plantas e animais que estarrece o mundo, o Brasil sofre com um crime dos novos tempos: a biopirataria

Por Paulo Roberto Moraes

A questão ambiental vem ganhando importância no mundo inteiro, não somente pela preocupação com a qualidade da vida humana como também pelas potencialidades econômicas dos recursos naturais de cada país. Nos últimos anos, com os avanços da engenharia genética e da biotecnologia, o preço da vida silvestre tornou-se incalculável para as grandes corporações multinacionais, que buscam em determinados ambientes as matrizes para muitos de seus produtos, as quais, depois de alteradas geneticamente, são comercializadas por valores elevadíssimos.

Entre essas regiões, as florestas tropicais assumem especial relevância na medida em que contêm a maior biodiversidade do planeta e possuem muitas áreas quase desconhecidas. Nesse quadro, nosso país ganha destaque especial, principalmente por abrigar a impressionante Floresta Amazônica. O número inigualável de espécies de plantas, peixes, anfíbios, pássaros, primatas e insetos, muitos deles ainda não descritos nem estudados pela ciência, inclui o Brasil num seleto grupo de países notórios por sua megadivers idade biológica. Detentor de 23% da biodiversidade do planeta, de acordo com cálculos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Brasil conta com um patrimônio genético estimado em 2 trilhões de dólares.

Em razão dessa imensa riqueza, nosso país e outras nações privilegiadas em biodiversidade passaram a ser alvo da ação da biopirataria, praticada principalmente por grandes conglomerados transnacionais. Eles levam, sem autorização, elementos da fauna e da flora nativas para o estrangeiro, com fins industriais ou medicinais, sem nenhum pagamento ao país produtor ou à
população local, que muitas vezes já conhece as propriedades curativas de espécies subtraídas. Assim, usado pela primeira vez em 1993, o termo biopirataria é mais do que contrabando. É a apropriação e monopolização de conhecimentos mais tarde patenteados em âmbito internacional, sem que as comunidades locais tenham direito à participação financeira com essa
exploração.

Riquezas roubadas

A lista dos países alvo da biopirataria é grande. Madagáscar, Quênia, Senegal, Camarões, África do Sul, Zaire, Brasil, Guiana, Peru, Argentina, Venezuela, Paraguai, Bolívia, Colômbia, Rússia, Tanzânia, Indonésia, Índia, Vietnã, Malásia e China. Calcula-se que esse comércio ilegal movimente cerca de 10 bilhões de dólares por ano. O Brasil responde por 10% desse tráfico, que inclui animais e sementes. Segundo o Parlamento Latino-Americano, mais de 100 empresas fazem bioprospecção ou biopirataria no Brasil.

Calcula-se que cerca de 40% dos remédios sejam oriundos de fontes naturais, sendo 30% de origem vegetal e 10% de origem animal e microorganismos.

Grande parte do princípio ativo dos hipertensivos (medicamentos prescritos contra pressão alta) é retirada do veneno de serpentes brasileiras, como, por exemplo, a jararaca.

O Brasil possui um imenso potencial genético a ser explorado. Estima-se que seu patrimônio vegetal represente cerca de 16,5 bilhões de genes. Sendo tão rico em substâncias biologicamente ativas, tornou-se, comprovadamente, alvo de biopiratas. As denúncias de casos de pirataria genética são freqüentes. Elas envolvem instituições oficiais de ensino e pesquisa, cientistas e laboratórios estrangeiros que saem daqui levando riquezas biológicas, para posteriormente registrar patentes e gozar de vantagens econômicas obtidas à custa de produtos gerados com nossas plantas e animais.

Cerca de 70% da biopirataria praticada no Brasil é feita por instituições filantrópicas, que entram em nosso território alegando a intenção de promover o atendimento a populações carentes e remetem clandestinamente material genético, in natura e em grandes quantidades, principalmente para Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha, Suíça e Japão. O restante da retirada irregular é praticado por instituições científicas legalmente instaladas. Apesar de o volume exportado ser menor, o dano por elas causado é maior, pois a alta tecnologia que aplicam nas pesquisas realizadas aqui mesmo permite o envio, para suas sedes, de material já sintetizado.

Retirar material biológico clandestinamente de um país não exige muita criatividade. Existem diversas maneiras de esconder fragmentos de tecidos, culturas de microorganismos ou minúsculas sementes sem a necessidade de grandes aparatos. Mas geralmente a ação mais flagrada é o tráfico de animais silvestres.

Na Eco-92, a Convenção da Biodiversidade deu origem ao documento Estratégia Global para a Biodiversidade. O combate à biopirataria prevê o pagamento de royalties pelas empresas que fizerem pesquisas ou explorarem a fauna e/ou a flora num país estrangeiro e a transferência de tecnologia e informações para o país detentor da "matéria-prima" biológica. Esses dois pontos vão contra os interesses dos grandes conglomerados farmacêuticos, que se opõem à assinatura de qualquer acordo ou tratado nesses termos. Os países ricos, liderados pelos EUA, alegam que os seus gastos com pesquisas nem sempre se transformam em produtos rentáveis. Em outras palavras, afirmam que investem muito na procura de novas substâncias e que apenas uma ou outra resulta em fonte de lucro.

Proteger legalmente o patrimônio biológico em países pobres é uma batalha sem fim. Carentes de tecnologia, mas detentores de cobiçada fauna e flora, como essas nações podem pressionar as megacorporações de países ricos e desenvolvidos?

Mais um motivo para que o uso sustentável da biodiversidade seja uma das maiores preocupações da sociedade moderna, que, adquirindo maior consciência da importância estratégica da preservação da biodiversidade, deve exigir dos governos posturas coerentes para a proteção ambiental e para a exploração dessa riqueza.

* Paulo Roberto Moraes é professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, do curso Anglo Vestibulares e autor de livros didáticos e paradidáticos.

MST, Brasil, 14-08-07

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