Do patenteamento da vida aos genes de extinção
O primeiro número da revista Biodiversidad, cultivos y culturas nasceu em setembro de 1994 como um convite para “compartilhar informações, conhecimentos, experiências, preocupações e ações para recuperar a autogestão não apenas da biodiversidade agrícola, mas também das culturas que a sustentam". Uma preocupação central, em um contexto no qual as indústrias agrícolas promoviam as sementes industriais como milagrosas, cheias de promessas, embora ainda não as chamassem de transgênicas.
À medida que se desenvolviam ferramentas para conhecer os processos biológicos e submetê-los à engenharia genética, as indústrias (agrícola, alimentícia, farmacêutica) batalhavam para obter exclusividade sobre a matéria e seus processos, apropriando-se de forma exclusiva da vida. Os direitos de propriedade intelectual sobre componentes e processos vitais, e o patenteamento de microrganismos, plantas e variedades camponesas estavam em alta. Os bioprospectores se expandiam pelas comunidades indígenas de várias partes do planeta para obter a "planta filosofal" que transformaria em ouro os ativos das empresas farmacêuticas.
Naqueles anos, o Grupo ETC, então RAFI, denunciou vários pedidos de patentes de empresas e instituições, nada menos que de uma mulher indígena Guaymí do Panamá, por sua resistência a um certo tipo de leucemia (1993); sobre o nome e a genética do arroz Basmati da Índia (1997), sobre ervanaria e microrganismos da medicina maia (1998), sobre os feijões Mayocoba do México (1999), entre muitos outros casos aos quais se opuseram centenas de organizações do campo e da cidade e, finalmente, conseguiram revertê-los. A revista Biodiversidad, cultivos y culturas alertou e informou sobre os casos e a lógica por detrás deles, e foi fundamental no tecido da resistência.
Em 1998, nos confrontamos com Terminator, a tecnologia transgênica de sementes suicidas: elas são plantadas, produzem frutos, mas a segunda geração se torna estéril para forçar os agricultores a comprar sementes novamente a cada safra. Foi desenvolvida pela empresa Delta & Pine Land (de propriedade da Monsanto) e pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. Todas as transnacionais que atualmente controlam as sementes transgênicas plantadas em nível mundial registraram patentes do tipo Terminator, mas não puderam avançar: devido ao protesto contundente e coordenado das organizações camponesas do mundo e da sociedade civil comprometida com a defesa da vida, conseguimos que a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) estabelecesse uma moratória contra sua liberação em 2000. E também conseguimos que esta moratória fosse respeitada e mantida vigente, apesar das tentativas agressivas das empresas e governos de revertê-la durante essas quase duas décadas.
Já começado o novo século, o debate sobre o pico do petróleo e a contaminação derivada de combustíveis fósseis tornou-se um pretexto para impulsionar a biologia sintética como uma nova panaceia. Uma biologia auxiliada por computadores, guiada por princípios mecânicos e matemáticos para projetar e construir partes biológicas ou organismos inteiros que não existem na natureza. A mesma indústria desenvolveu, a partir disso, novas biotecnologias chamadas de "edição genética", tratando o DNA como se fosse um rascunho em correção para ser enviado para impressão.
Entre 2008 e 2012, a biologia sintética focalizou na modificação de micróbios para decompor a celulose e produzir a segunda geração de biocombustíveis. No entanto, o volume de combustíveis derivados de biomassa não consegue atender a demanda infinita de energia de automóveis, aviões, navios, fábricas e luminárias que se multiplicam no planeta, no capitalismo. Com a quantidade de cereais necessária para destilar biocombustíveis que encham o tanque de uma caminhonete, uma pessoa pode ser alimentada durante um ano inteiro. À medida que as críticas aos biocombustíveis se avolumavam, os promotores da biologia sintética passaram a produzir derivados botânicos, compostos de baixo volume e alto valor de mercado, para flavorizantes, fragrâncias, essências e medicamentos. Os micróbios transgênicos não decomporiam mais a celulose, mas seriam programados para excretar o composto comercialmente valioso.
O tema está em debate na CDB e, além disso, organizações em todo o mundo questionam casos específicos, como a produção de vanilina e estévia sintéticas, substitutos da manteiga de coco, cacau, babaçú; substitutos de óleos essenciais, como o vetiver, entre mais de 340 ingredientes ativos que centenas de comunidades camponesas produzem de forma artesanal.
Há 25 anos, no número um de Biodiversidade, cultivos e culturas, Henk Hobbelink, fundador do GRAIN, previu: “as biotecnologias modernas, apresentadas como novas panaceias para a agricultura e a saúde mundiais, podem se tornar um problema sério [...] a maior parte da pesquisa é realizada e controlada por grandes empresas multinacionais, no Norte global, usando as novas ferramentas para aumentar ainda mais suas vantagens comparativas.” E acrescentou, "embora a biotecnologia precise de biodiversidade, isso não significa que esta seja necessariamente mantida".
Hoje sabemos que a geração mais recente de transgênicos foi especialmente projetada para extinguir espécies.
A tecnologia mais recente com a qual a indústria militar e a agrícola buscam dominar a diversidade da vida é uma técnica de engenharia genética chamada de "condutores genéticos" (gene drives). É uma forma de enganar as leis da herança, de tal forma que toda a progênie de uma espécie - sejam insetos, plantas ou animais - herde necessariamente uma característica transgênica. Eles são projetados para se disseminarem agressivamente no meio ambiente e, se o gene introduzido produzir apenas machos, em poucas gerações poderia eliminar toda uma população da espécie manipulada e, com o passar do tempo, extinguir toda a espécie, com impactos imprevisíveis no ecossistema. É uma "tecnologia de extinção genética" porque abre a possibilidade de supressão ou eliminação de uma espécie inteira, intencional ou acidentalmente.
Um dos lugares onde está planejado experimentar com condutores genéticos é a aldeia de Bana, em Burkina Faso. Lá, as mulheres denunciam: “não somos funcionárias públicas, não somos cientistas, mas sabemos que liberar mosquitos para extinguir uma espécie inteira é muito ruim; entendemos que, se algo tão mortal é introduzido em nossa natureza, também haverá danos para nós. Quais doenças serão transmitidas pelos mosquitos restantes? Se restarem apenas mosquitos machos, o que acontecerá?”
Esta técnica para extinguir espécies talvez seja a forma mais radical de dominar a vida que as indústrias e corporações já conseguiram. Com os condutores genéticos querem estabelecer que elas podem controlar quem deve morrer e quem merece continuar vivo. A indústria de biotecnologia tenta desvincular os transgênicos da "edição genética". Assim, escapa das regras existentes para avaliação de riscos, biossegurança e rotulagem de OGMs. Em 2018, denunciamos que a Argentina e o Brasil modificaram suas regulamentações para autorizar com mais rapidez, ou sem regulamentação, os produtos dessas novas biotecnologias.
Em setembro de 2018, os ministros da agricultura da Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai emitiram uma declaração dentro da OMC alertando que trabalharão para "evitar as barreiras não científicas ao comércio de produtos agrícolas melhorados com edição genética"; que ela é importante para produzir alimentos e, portanto, devem ser evitadas as "distinções arbitrárias e injustificadas" entre produtos agrícolas obtidos com edição genética e aqueles obtidos com outras formas de melhoramento. A Colômbia, Honduras, Estados Unidos, Canadá e África do Sul apoiaram a declaração. Eles querem que a OMC atue contra os países que aplicam suas próprias leis de biossegurança sobre esses produtos.
Na virada desses 25 anos e 100 edições da revista, as palavras de Pat Mooney, fundador da RAFI, hoje Grupo ETC, fazem muito sentido: “foi essencial manter a coesão e o ânimo no longo prazo. Os recursos que dispomos, os usamos melhor que a indústria. Nos conhecemos desde sempre, temos o tempo do nosso lado. Não desistimos, lutamos sempre até as últimas consequências. A indústria não tem essa energia. Eles cometem erros, contam o dinheiro, andam em círculos, desconfiam um do outro. Temos uma capacidade de expressão que eles nunca conseguirão igualar. Fazemos planos de longo prazo, sabendo que nossa luta é pela vida, não pelo poder e pelo lucros, e podemos pensar em décadas. Eles mudam de chefes e se movem com o mercado, eles se destroem entre si. Nós fazemos parte de um movimento global: contra o sistema. Nós estamos com a razão! Estamos fazendo a coisa certa. Não é possível vencer quem faz o correto”. É isso que tentamos todos em Biodiversidade, Sustento e Culturas.
- Traducción María José Guazzelli.
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