Quanto valem a fauna e flora brasileiras?


Prensa

Estado de S. Paulo, Brasil, 8-4-02
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Quanto valem a fauna e flora brasileiras?

6 mil animais, 15 milhões de insetos, inúmeras plantas: potencial de R$ 4 trilhões

Robson Fernandjes/AE - 21/5/00

Viúva-negra: contrabando de amostras até dentro do sapato

HERTON ESCOBAR e LAURA KNAPP

Ninguém sabe exatamente quanto vale a biodiversidade brasileira, mas todos sabem que é muito. Inclusive os estrangeiros. Dono da maior variedade de espécies do planeta, o Brasil desfruta de posição privilegiada para explorar os recursos naturais na busca por novas tecnologias, seja na forma de uma droga contra o câncer ou um novo creme de barbear. Estima-se que o País abrigue de 15% a 20% de todas as espécies animais e vegetais existentes, muitas delas com exclusividade. Historicamente, entretanto, os estrangeiros têm aproveitado o potencial econômico dessa riqueza biológica muito mais do que nós.

Uma estimativa - em princípio a única disponível - coloca na biodiversidade verde e amarela uma etiqueta de R$ 4 trilhões. O cálculo é baseado em um estudo do pesquisador Robert Costanza, da Universidade de Maryland (EUA), publicado na revista Nature em maio de 1997. Ele computou o valor do fluxo de "serviços ambientais" - chuvas, solos, polinização, controle de temperatura, etc - fornecidos por 16 grandes biomas, como mar, rios, lagos, florestas e desertos.

O saldo final para o planeta ficou em US$ 33 trilhões ao ano, e com base nesses cálculos, chegou-se aos R$ 4 trilhões para o Brasil. Mas isso não inclui o valor de patentes e novas tecnologias desenvolvidas a partir dessa biodiversidade. "É apenas uma aproximação. Ninguém tem certeza desse número", diz o especialista em desenvolvimento sustentável José Aroudo Mota, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da Universidade de Brasília (UnB). "Minha sensação é que ele subestima em muito o valor real."

Em quanto subestima, ninguém sabe e nem vai saber por um bom tempo. Pois se a biodiversidade do Brasil é a maior do mundo, também deve ser a mais desconhecida. Para se ter uma idéia das incertezas, a estimativa do total de espécies existentes no mundo varia entre 3 milhões e 100 milhões.

Catalogadas até hoje, são 1,5 milhão, entre 10% e 20% das quais são encontradas no Brasil. No fim das contas, segundo o coordenador do programa de conservação da biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Bráulio Dias, deve haver mais de 3 milhões de espécies desconhecidas no País. E entre as espécies nativas já documentadas, menos de 1% foram pesquisadas geneticamente.

Ouro verde - "Antes de fazer qualquer cálculo, precisamos conhecer espécie por espécie", afirma o gerente do Projeto de Recursos Genéticos do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Lidio Coradin.

"Qualquer número que for apresentado pode estar muito aquém da realidade.

Mas o potencial é obviamente gigantesco. O ouro hoje não é mais amarelo, é verde", completa o pesquisador, em referência à riqueza das florestas brasileiras.

Esse "ouro verde" rende milhões para empresas estrangeiras, mas o País não costuma receber um centavo por ele, mesmo que as espécies nasçam e cresçam somente aqui. Notório - e milionário - é o caso do Capoten, o medicamento para regular a pressão arterial comercializado pela Bristol-Myers Squibb.

Com faturamento anual estimado em US$ 5 bilhões, o Capoten é feito à base de captopril, substância encontrada no veneno da jararaca. A jararaca é um produto puramente brasileiro. Mas todo o lucro com a venda do medicamento fica com a empresa, americana, que detém a patente sobre ele. Um negócio tipicamente brasileiro.

Os exemplos se acumulam. Em uma lista inicial de matéria-prima verde-amarela explorada por outros países aparece o rupununine, uma espécie de noz da árvore Ocotea rodiei, usado como anticoncepcional. O curare, aquele veneno colocado pelos índios em suas flechas, é utilizado como relaxante muscular.

O ayahuasca, cipó com propriedades alucinógenas, é amplamente divulgado e consumido pelos seguidores da seita do Santo Daime. E o extrato da espinheira santa, já foi desenvolvido por empresa japonesa como medicamento contra gastrite.

No livro The Language of the Genes (A Linguagem dos Genes), o biólogo Steve Jones afirma que sete das 25 drogas mais vendidas no mundo são derivadas de produtos naturais. A aspirina, da árvore salgueiro, está entre elas. Algumas vieram de países desenvolvidos como o Japão e a Noruega. Outras, da África ou da Ásia. Não é difícil imaginar qual nação lucrou com as descobertas.

Mas os brasileiros parecem estar despertando finalmente para a riqueza que têm em mãos. O Centro de Toxicologia Aplicada (CAT), do Instituto Butantan de São Paulo desenvolve um medicamento para tratar a hipertensão. Como o Captopril, com o qual deve concorrer, o Evasin (endogenous vasopeptidase inhibitor) foi sintetizado do veneno da jararaca. O CAT já entrou com pedido de patente para o medicamento.

Consta que o grama de veneno de cobra, jararaca, jararacuçu ou cascavel chegue a custar até US$ 500 no mercado internacional, mais de 20 vezes o preço do ouro.

Entre 1995 e 2000, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) recebeu 4 mil pedidos de patente referentes à biotecnologia. Desses, 97% foram requeridos por estrangeiros. Mesmo que essa estatística não prove o roubo ou deslocamento de conhecimento e de produtos brasileiros para cofres alheios, já que uma certa quantidade diz respeito a substâncias sintéticas ou mesmo desenvolvidas em outros países, leva a considerações. A primeira, que a pesquisa nacional não está voltada para esse nicho de mercado. A segunda, que muitos produtos naturais brasileiros estão, sim, sendo patenteados por estrangeiros.

Riqueza endêmica - As 55 mil espécies vegetais encontradas no Brasil são particularmente interessantes para a indústria farmacêutica. Só a Amazônia tem 20 mil espécies endêmicas, isto é, que são encontradas unicamente ali. O México, em comparação, tem 3 mil. O Reino Unido, menos de 100. A Alemanha, 16, e a Suíça, míseros 2, de acordo com o pesquisador Elisaldo Carlini, do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) da Unifesp. "Para descobrir uma planta com efeito medicinal, você precisa de duas coisas: uma grande variedade plantas e de povos que usam essas plantas", afirma Carlini. "Nesse aspecto, o Brasil é absolutamente rico."

Além da pesquisa com as ervas medicinais dos índios Krahô (das quais ele não revela o nome científico), Carlini está se preparando para iniciar testes clínicos com uma planta do Pantanal conhecida como nó-de-cachorro, que melhora a memória e o aprendizado em animais. O pedido de patente já foi feito, em parceria com um laboratório privado. "Se encontrarmos uma única planta com efeito medicinal, além de reduzir o sofrimento humano, podemos criar recursos significativos para o País", afirma o pesquisador. Ele cita como exemplo a ginko biloba, usada para aumentar o nível energético e de memória, que rende de US$ 400 a US$ 500 milhões ao ano no mundo todo.

Na busca por uma maior participação nesse mercado, o MMA deve lançar nos próximos dois meses o projeto Plantas do Futuro, cujo objetivo será identificar os tipos de vegetação de cada região do País e descobrir para que serve cada um delas. "O resultado será um portfólio de espécies que podem interessar à indústria", explica Coradin. "Temos que agregar valor à nossa biodiversidade, ou não conseguiremos preservá-la."

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